Um estudo recente revelou que a grande maioria das aproximadamente 46 mil espécies de árvores tropicais é extremamente rara, representando menos de 10% dos indivíduos desse bioma. Em contraste, apenas 1.053 espécies (ou 2,24%) compõem metade das árvores tropicais. Essas descobertas foram publicadas na revista Nature por um consórcio internacional de pesquisadores, incluindo um brasileiro apoiado pela FAPESP.
Bruno Garcia Luize, que conduziu o estudo como parte de seu pós-doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), com bolsa da FAPESP, explica: “As espécies dominantes desempenham um papel crucial na estrutura da floresta. Elas fornecem recursos para outras plantas, fungos e animais. Uma das contribuições do estudo foi destacar algumas espécies que representam uma grande parte dos indivíduos. Isso nos permite fazer medições e obter estatísticas mais confiáveis sobre como o ecossistema funciona”.
Os pesquisadores usaram bancos de dados públicos sobre a composição de partes da floresta na Amazônia, África e Sudeste Asiático. Essas áreas, geralmente com um hectare, são chamadas de parcelas. Algumas das parcelas amazônicas analisadas no estudo foram estabelecidas e tiveram seus dados incluídos nos bancos de dados por Luize, durante seu mestrado no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e seu doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, também com bolsa da FAPESP.
No total, 1.097 parcelas na Amazônia, 368 na África e 103 no Sudeste Asiático foram analisadas, totalizando uma amostra de pouco mais de 1 milhão de árvores com diâmetro de pelo menos 10 centímetros em grandes florestas. Do total de árvores, 93,3% foram identificadas por espécie.
“Na Amazônia, estamos bem avançados nessas redes de inventários florestais colaborativos, que nos permitem fazer inferências e extrapolações como essa. Com os dados de outras florestas tropicais, temos agora uma dimensão mais global”, diz o pesquisador.
Hiperdominantes
Além de determinar a porcentagem de espécies hiperdominantes, que são as que compõem metade dos indivíduos de cada floresta tropical, os pesquisadores conseguiram determinar os nomes das espécies mais prováveis de serem as mais comuns em cada uma das áreas analisadas.
Na Amazônia, por exemplo, algumas das possíveis hiperdominantes identificadas foram o matamatá (Eschweilera coriacea), com casca grossa e que pode chegar a 35 metros de altura; duas espécies de açaí (Euterpe oleracea e E. precatoria), conhecido pelo fruto e pelo palmito bastante consumidos no Brasil; e o parapará (Jacaranda copaia), única espécie de jacarandá amplamente distribuída na Amazônia.
Entre as árvores amazônicas, as hiperdominantes são 2,2% das espécies. As mesmas proporções foram observadas na porção coberta de floresta tropical do continente africano, nas partes oeste, central e leste (2,2% das espécies representam 50% de todas as árvores), e no Sudeste Asiático, do Myanmar, no oeste, a Sulawesi, no leste da Ásia (2,3%). A consistência na proporção de espécies hiperdominantes chamou a atenção dos pesquisadores por indicar uma quantidade razoável de espécies que podem ser mais bem conhecidas em curto a médio prazo.
Segundo as estimativas, 299 espécies compõem 50% dos 344 bilhões de árvores presentes na Amazônia. Na parte tropical do continente africano, são 104 espécies compondo metade dos 113 bilhões de árvores tropicais em dosséis fechados. Para o Sudeste Asiático, os pesquisadores chegaram ao número de 278 espécies responsáveis por metade dos 129 bilhões de árvores.
Luize ressalta que outras florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a floresta de Chocó, na América do Sul, além de dados da América Central, Nova Guiné e Micronésia, não foram incluídos no estudo. Uma estimativa mais robusta será possível, ele diz, quando essas regiões forem incluídas.
O pesquisador destaca que o levantamento traz importantes indicações de espécies que podem ser o foco de estudos de autoecologia, onde se analisa como interagem com outras espécies e o ambiente.
“Isso sem contar as estimativas de armazenamento de carbono dessas árvores, informação essencial para os cálculos de emissão e captura dos gases de efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas”, explica.
Segundo Simon Lewis, professor da University College of London e um dos coordenadores do estudo, focar em algumas centenas de árvores comuns, em vez dos milhares de espécies sobre as quais não se conhece quase nada, pode possibilitar novas maneiras de entender as florestas tropicais.
“Isso não quer dizer renegar a importância das espécies raras, elas precisam de atenção especial para serem protegidas. Porém, ganhos rápidos e importantes em conhecimento devem vir das pesquisas sobre as espécies mais comuns”, disse o pesquisador em um informe à imprensa.
Coordenado por pesquisadores da universidade britânica, o trabalho tem 356 autores. Além de Luize, participaram pelo Brasil cientistas do Inpa, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP) e Unicamp, além de universidades e institutos de pesquisa federais e estaduais em Estados amazônicos e em outras regiões do Brasil.
O artigo Consistent patterns of common species across tropical tree communities pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41586-023-06820-z.
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