Brasil começa a desenhar a saída dos combustíveis fósseis
A dependência brasileira dos combustíveis fósseis, historicamente associada à exploração de petróleo e gás, entrou oficialmente no centro do debate estratégico do governo federal. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, confirmou o início dos trabalhos técnicos para a elaboração de um mapa que oriente o país rumo à independência desses combustíveis. O objetivo não é imediato nem simplista: trata-se de construir um caminho estruturado, baseado em ciência, diálogo institucional e planejamento de longo prazo.

Esse processo foi anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) e ganhou contornos formais com despacho presidencial publicado no Diário Oficial da União. O documento determinou prazo de 60 dias para a apresentação de uma primeira minuta ao Conselho Nacional de Política Energética, instância responsável por articular as diretrizes do setor energético nacional.
A ministra faz questão de frisar que esse texto inicial não será ainda o “mapa do caminho”, mas um conjunto de bases técnicas, referenciais e princípios que permitirão a construção coletiva desse roteiro. O desafio é propor uma transição energética que não seja apenas ambientalmente correta, mas socialmente justa e economicamente viável.
Um fundo para financiar a transição energética justa
Entre os pontos centrais da proposta está a criação de mecanismos financeiros capazes de sustentar a transição. A ideia defendida por Marina Silva é que parte das receitas públicas provenientes da exploração de petróleo seja destinada a um fundo específico para financiar a mudança do modelo energético.
Esse fundo teria papel estratégico ao permitir que o país utilize recursos do atual sistema fóssil para investir no seu próprio abandono progressivo. A lógica é evitar rupturas abruptas, protegendo trabalhadores, estados produtores e setores econômicos dependentes dessas atividades, ao mesmo tempo em que se impulsionam energias renováveis, inovação tecnológica e novos arranjos produtivos.
A complexidade do desenho institucional é reconhecida pelo próprio governo. O processo precisará passar pelo crivo de diversos ministérios, envolver estados e municípios, dialogar com o setor privado, ouvir a comunidade científica e incorporar contribuições de organizações da sociedade civil. Também será necessário alinhar o plano às referências internacionais, como as recomendações da Agência Internacional de Energia e experiências já testadas em outros países.

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Lições do combate ao desmatamento
A ministra recorre à experiência acumulada no enfrentamento ao desmatamento para sustentar que metas ambiciosas podem, sim, ser alcançadas. Segundo ela, o Brasil viveu um apagão de políticas ambientais por cerca de seis anos, mas a retomada das estratégias de comando, controle e incentivo à conservação já produziu resultados expressivos.
Na Amazônia, a redução do desmatamento chegou a 50%, enquanto, no conjunto do país, a queda supera 30%. Esses números reforçam a confiança de que planejamento, coordenação institucional e continuidade política são capazes de reverter tendências consideradas, por muito tempo, irreversíveis.
A lógica é semelhante no campo energético. Assim como ocorreu com o desmatamento, o fim da dependência dos fósseis exige metas claras, indicadores de esforço, instrumentos regulatórios e ações concretas. O Brasil já dispõe de marcos legais, programas e iniciativas relevantes, mas ainda insuficientes para alcançar o objetivo de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa.
Clima, economia e a escolha civilizatória
A transição energética proposta converge com compromissos assumidos pelo Brasil em tratados multilaterais que estabelecem a neutralidade climática até 2050. Isso significa não apenas reduzir drasticamente as emissões, mas também ampliar a capacidade de capturar carbono por meio do reflorestamento e da recuperação de ecossistemas degradados.
Para Marina Silva, o debate vai além da economia ou da tecnologia. Trata-se de uma escolha civilizatória. A ciência, alerta a ministra, é clara ao afirmar que o atual modelo pode comprometer não apenas espécies ou biomas isolados, mas as próprias condições que tornam a vida possível no planeta.
Nesse contexto, o Brasil tem a oportunidade de exercer liderança global ao demonstrar que é viável conciliar desenvolvimento, justiça social e proteção ambiental. O caminho não é simples nem rápido, mas é inevitável. Planejamento, escuta ativa da ciência e compromisso político são apresentados como os pilares dessa travessia.
A mensagem final é de responsabilidade compartilhada: escolher a vida com dignidade exige decisões difíceis no presente, mas oferece um futuro possível. O mapa ainda está sendo desenhado, mas o país já decidiu que não pode mais caminhar às cegas.

















































