Cientistas buscam plantas que “mineram” metais no Brasil


O Brasil, dono da maior biodiversidade vegetal do planeta, pode esconder em suas florestas, cerrados e áreas de mineração uma chave inesperada para transformar passivos ambientais em oportunidade econômica. Pesquisadores brasileiros estão em busca de plantas capazes de absorver grandes quantidades de metais do solo — espécies chamadas de hiperacumuladoras — com potencial para impulsionar a chamada agromineração, uma técnica que alia recuperação ambiental, economia circular e exploração mineral de baixo impacto.

Estima-se que as hiperacumuladoras de metais representem apenas 0,2% de todas as plantas conhecidas atualmente; a Pycnandra acuminata (na foto) já é usada comercialmente para agromineração na Indonésia, por exemplo (imagem: Henry Benoît/Biodiversity4all)

A iniciativa é liderada por cientistas vinculados ao Departamento de Agronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que há anos percorrem áreas de preservação ambiental associadas à mineração, além de coleções botânicas espalhadas pelo país. O objetivo é identificar plantas raras capazes de concentrar em seus tecidos metais como níquel, zinco, manganês e cobre em níveis centenas ou até milhares de vezes superiores aos observados em espécies comuns.

Plantas que transformam solo tóxico em recurso estratégico

As plantas hiperacumuladoras representam uma fração ínfima da flora mundial — cerca de 0,2% das espécies conhecidas. Ainda assim, seu potencial é expressivo. Ao crescerem em solos ricos em metais pesados, muitas vezes tóxicos para outras espécies, essas plantas absorvem e armazenam os elementos químicos em suas folhas, caules e ramos. Após o cultivo, a biomassa pode ser incinerada, permitindo a extração do metal a partir das cinzas.

Esse processo define a agromineração, uma alternativa à mineração convencional que reduz escavações, evita o uso intensivo de reagentes químicos e contribui para a recuperação de áreas degradadas. Em países como Albânia, Malásia e Indonésia, algumas espécies já são utilizadas comercialmente, como a Pycnandra acuminata, adaptada a ambientes tropicais.

No Brasil, no entanto, ainda não foi identificada a planta considerada ideal para aplicação em larga escala. Segundo Clístenes Williams Araújo do Nascimento, professor da UFRPE e pioneiro no desenvolvimento da técnica no país, encontrar essas espécies é um trabalho minucioso, comparável à busca por uma agulha no palheiro. A afirmação foi feita durante palestra apresentada na 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada no campus da UFRPE, em Recife.

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foto: Elton Allison/Agência FAPESP

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A Amazônia como fronteira do conhecimento botânico

Entre os territórios com maior potencial para revelar novas espécies hiperacumuladoras está a Amazônia. A região reúne solos ultramáficos — derivados de rochas ricas em níquel, cromo e cobalto — e uma diversidade vegetal ainda pouco estudada. Por meio de um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, no âmbito da iniciativa Amazônia+10, os pesquisadores iniciaram expedições científicas na região da Cabeça do Cachorro, no Alto Rio Negro.

Considerada uma das últimas grandes fronteiras do conhecimento sobre biodiversidade no planeta, a área pode abrigar espécies capazes de revolucionar a agromineração no Brasil. A expectativa dos cientistas é encontrar plantas que combinem três características essenciais: alta capacidade de bioconcentração de metais, eficiência no transporte desses elementos para a parte aérea e produção elevada de biomassa.

Para ser economicamente viável no caso do níquel, por exemplo, uma planta precisa permitir a produção de cerca de 10 toneladas de biomassa por hectare e alcançar concentrações superiores a 10 mil partes por milhão do metal. Estudos já realizados em áreas como Niquelândia, em Goiás, identificaram espécies promissoras, mas ainda com limitações — muitas produzem pouca biomassa ou não se adaptam a outros ambientes fora do Cerrado.

Solos extremos e plantas extraordinárias

Os solos ultramáficos, que cobrem entre 1% e 3% da superfície terrestre, são ambientes hostis para a maioria das plantas. Pobres em nutrientes essenciais como nitrogênio, fósforo e potássio, apresentam alta concentração de magnésio e metais potencialmente tóxicos. Ainda assim, algumas espécies evoluíram mecanismos sofisticados para sobreviver nessas condições extremas.

Enquanto certas plantas evitam a absorção dos metais, as hiperacumuladoras seguiram um caminho oposto: aprenderam a incorporá-los em seus tecidos. Para serem classificadas como tal, precisam ultrapassar limites específicos de concentração, como mais de mil microgramas por grama de níquel ou 10 mil de manganês. As razões evolutivas para essa capacidade ainda são debatidas, mas incluem hipóteses como defesa contra pragas e a ocupação de nichos onde outras espécies não conseguem prosperar.

Essas adaptações fazem das hiperacumuladoras aliadas potenciais tanto na recuperação de áreas contaminadas quanto no reaproveitamento de rejeitos da mineração, especialmente em tecnossolos produzidos a partir desses resíduos.

Herbários, tecnologia e um novo instituto nacional

Além das expedições em campo, os pesquisadores recorrem aos principais herbários do país em busca de pistas. Utilizando equipamentos portáteis de fluorescência de raios X, é possível analisar folhas e caules em poucos segundos, permitindo a triagem de centenas de espécies por dia. Foi assim que, em Pernambuco, foi identificada uma planta conhecida como feijão-bravo-preto ou folha-dura, o Capparidastrum frondosum, capaz de acumular grandes quantidades de zinco e produzir elevada biomassa.

As análises já passaram pelos herbários da Universidade Federal de Pernambuco, da própria UFRPE, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia , da Embrapa Recursos Genéticos e Tecnologia , da Universidade de Brasília e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Novas etapas estão previstas em instituições como a Universidade Estadual de Feira de Santana e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

O esforço deve ganhar escala com a criação do Instituto Nacional de Biotecnologias para o Setor Mineral, o Inabim, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e sediado na UFRPE. O instituto reunirá pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual Paulista, entre outras instituições.

A proposta é clara: transformar conhecimento científico em soluções concretas para recuperar áreas degradadas, reaproveitar resíduos e desenvolver uma mineração mais alinhada aos desafios ambientais do século XXI.