Plásticos sem reciclagem drenam renda e tempo de catadores no Rio


Plásticos sem destino e o custo invisível da reciclagem

O cotidiano das cooperativas de catadores no estado do Rio de Janeiro é atravessado por um paradoxo: quanto mais resíduos chegam, maior tende a ser a frustração. Não porque falte trabalho, mas porque uma parcela crescente do que passa pelas mesas de triagem simplesmente não tem para onde ir. Uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Direito Coletivo (IDC) em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), por meio da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária do Médio Paraíba (InTECSOL), mostra que embalagens plásticas sem valor de mercado consomem tempo, energia e renda de trabalhadores que sustentam, na prática, o sistema de reciclagem brasileiro.

Três mulheres trabalhando na coleta de lixo reciclável, vestindo uniformes e luvas, em frente a um monte de garrafas e sacolas plásticas.

Entre julho e dezembro de 2025, o estudo acompanhou 20 organizações de catadores — metade na capital fluminense e metade em municípios do sul, centro-sul e Costa Verde. O diagnóstico é direto: em média, quase 16 horas por mês são gastas na separação de plásticos que não geram qualquer retorno financeiro. Isso equivale a cerca de 9,4% da jornada mensal, ou dois dias inteiros de trabalho desperdiçados. Considerando que esses profissionais trabalham aproximadamente sete horas e meia por dia, ao longo de 22 dias no mês, trata-se de um impacto estrutural sobre a produtividade e a renda.

Quem sustenta a reciclagem no Brasil

A pesquisa também lança luz sobre quem são os catadores que absorvem esse custo oculto. A maioria é composta por mulheres, que representam 68,56% do total identificado. Em termos raciais, predominam pessoas pardas (58,75%) e pretas (30,82%), enquanto brancas somam 9,43%. O retrato social reforça o caráter historicamente precarizado da atividade e evidencia como desigualdades sociais se reproduzem no campo ambiental.

Segundo os pesquisadores, o problema não se limita ao tempo perdido. Há perdas financeiras mensais significativas associadas aos rejeitos plásticos que poderiam ser reciclados, mas acabam destinados a aterros por ausência de mercado, logística ou valorização econômica. As cooperativas analisadas deixam de arrecadar valores que variam entre R$ 1.179,03 e R$ 3.771,72 por mês apenas com esses materiais. Para organizações que operam no limite da sobrevivência financeira, esse montante faz diferença direta na remuneração dos trabalhadores.

Tatiana Bastos, presidente do IDC, chama atenção para o papel estratégico dos catadores. Segundo ela, praticamente tudo o que existe de coleta seletiva no país passa pelas mãos desses profissionais. Ainda assim, a remuneração segue atrelada quase exclusivamente ao peso do material vendido, ignorando o serviço ambiental prestado. Ao evitar que plásticos cheguem aos rios ou que papelão vire mais uma árvore derrubada, os catadores prestam um serviço público que não aparece na conta final.

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Catadores de materiais recicláveis em ação: uma luta contra a importação de lixo.

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O que está no lixo e por que não vira renda

A análise detalhada dos resíduos revela um cenário complexo. Do total de materiais avaliados, os plásticos lideram com 28,19%, seguidos de papel (26,16%). A categoria “outros”, que inclui eletrônicos, vidro e embalagens multicamadas como o tetra pak, responde por 21,23%. Rejeitos propriamente ditos somam 19,14%, enquanto os metais ficam com 5,28%.

É justamente sobre os rejeitos que a pesquisa se debruça. De acordo com a Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, rejeito é aquilo que, após esgotadas todas as possibilidades tecnológicas e economicamente viáveis de reaproveitamento, só pode ter como destino final a disposição ambientalmente adequada. No entanto, o estudo mostra que essa fronteira é mais política e econômica do que técnica.

Entre os rejeitos analisados, 44,83% são plásticos, 40% orgânicos e 14,36% classificados como “outros”. Apenas 0,80% correspondem a eletrônicos. Uma auditoria específica examinou 533 embalagens plásticas descartadas como rejeito. Destas, 82% vêm da indústria alimentícia. Embalagens de higiene, ração animal, medicamentos e cosméticos aparecem em proporções menores.

Chamam atenção os plásticos metalizados do tipo Bopp, usados em snacks, biscoitos e doces, que representam 36,59% dos rejeitos plásticos. Outro dado simbólico é que 33,40% das embalagens não trazem qualquer código de identificação de reciclagem, sendo classificadas como “não especificadas”. Na prática, isso dificulta ainda mais a triagem e inviabiliza a reciclagem.

Indústria, legislação e o impasse ambiental

Ao mapear as marcas presentes nos rejeitos, os pesquisadores identificaram 199 grupos empresariais. Seis deles concentram quase 30% das embalagens descartadas: Mondelez International, M. Dias Branco, PepsiCo, Nestlé, Bimbo e Capricche. Em contraste, 122 empresas apareceram apenas uma vez na amostra.

O estudo defende que a indústria, especialmente a alimentícia, precisa assumir maior responsabilidade pelo que coloca no mercado. Investimentos em design circular, substituição de materiais de baixa reciclabilidade e fortalecimento da logística reversa são apontados como caminhos urgentes para reduzir danos ambientais e garantir renda digna aos catadores.

Tatiana Bastos questiona por que embalagens tão efêmeras continuam sendo produzidas com materiais praticamente impossíveis de reciclar. Para ela, a distância entre a legislação ambiental brasileira e sua aplicação concreta segue sendo um obstáculo central. Instrumentos normativos existem, em nível federal, estadual e municipal, mas a fiscalização é frágil e a cobrança sobre empresas e municípios ainda insuficiente.

Enquanto isso, o sistema segue apoiado no esforço diário de catadores que, mesmo sobrecarregados por rejeitos sem valor, continuam sustentando a reciclagem no país. O estudo deixa claro que repensar embalagens não é apenas uma questão técnica, mas social, econômica e ambiental.