A COP30 e o protagonismo urbano: entre discurso e alicerces reais


Quando o relógio se aproxima de novembro, e Belém se prepara para sediar a COP30, o Brasil intensifica sua mobilização. No cerne dessa movimentação, o encontro “Pré-COP30. O papel do setor privado na agenda climática”, organizado pela CNI dentro da plataforma SB COP30, é mais do que protocolo: revela a aposta no protagonismo institucional e privado para transformar compromissos em entregas palpáveis.

Divulgação - Gov.br

O secretário-executivo Hailton Madureira assumiu um discurso que conecta duas urgências: a crise climática global e os desafios urbanos locais. Ele lembrou que 87% dos brasileiros vivem em cidades, espaços onde as mudanças no clima já são visíveis em enchentes, calor extremo, colapsos de drenagem, deslizamentos. Se há lugares vulneráveis, são os territórios urbanos mal planejados. Por isso, segundo ele, “não haverá justiça climática sem justiça urbana”. Essa frase opera como um fio narrativo: escancara que o enfrentamento climático precisa ser traduzido na vida real das cidades.

Para operar essa transição, o Ministério das Cidades se remodelou: ao criar uma Diretoria de Sustentabilidade, o órgão integrou variáveis ambientais no planejamento urbano, introduzindo critérios de eficiência e práticas verdes em programas tradicionais como o Minha Casa, Minha Vida e ações de mobilidade. Essa interlocução institucional reflete uma crença estratégica: a política urbana deve se imbricar ao desafio climático, não ser um apêndice desconectado.

As cifras anunciadas também falam alto. Os R$ 4,7 bilhões destinados a Belém para obras ligadas à COP30 são pensados não apenas para o evento, mas para deixar um legado urbano: drenagem, infraestrutura, mobilidade, equipamentos públicos. Simultaneamente, o aporte de R$ 90 bilhões às ações urbanas nacionais sugere que o Ministério quer jogar em escala nacional. Mas os números precisam encontrar chão: investimento é necessário, mas não suficiente.

Nesse sentido, o anúncio de um fundo para cidades sustentáveis, a ser lançado com a Caixa Econômica Federal, é um passo audacioso. Espera-se que esse mecanismo torne possível, sobretudo para municípios menores com menos recursos técnicos, desenhar e executar projetos urbanos ambientais — drenagem verde, mobilidade ativa, requalificação de espaços públicos. Se bem operacionalizado, pode ser um motor de inovação local.

Mas Madureira não ignorou quem carrega parte da execução: o setor privado. Ele reiterou que sem empresas, não haverá avanço. Setores-chave, saneamento, construção civil, mobilidade, devem adotar processos de baixo carbono e métodos inovadores. Ele citou como exemplo as 45 casas ecológicas na Ilha do Combu: construídas com madeira apreendida e com sistemas de captação de água de chuva, essas unidades serão visíveis como protótipos na COP30.

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Essa convergência entre Estado e iniciativa privada, evocada no evento da CNI, é central para o modelo que se antevê: uma COP com retórica de convergência entre interesse econômico e ambiental. Isso casa com o papel da Sustainable Business COP (SB COP), mobilizada pela CNI, que convida empresas a apresentar cases concretos e participar do processo climático nacional.

O discurso de que o Brasil já conta com uma matriz elétrica de cerca de 80 % limpa reforça o discurso de oportunidade: há espaço para um salto qualificado na transição energética. Ao mesmo tempo, serve como carta de apresentação: “nós já temos parte da base; precisamos acelerar”. Se as cidades são palco da vulnerabilidade climática, também são horizontes de inovação: institucionais, tecnológicas e sociais.

Entretanto, a materialização dessas ideias depende de um ponto nevrálgico: execução. Criar um fundo é um começo; fazê-lo funcionar com governança técnica em municípios pequenos é o verdadeiro teste. Integrar setor privado requer regulação clara, incentivos, boa interlocução e controle. Legados urbanos são promessas até se tornarem praças drenadas, calçadas seguras, transporte limpo.

O Pré-COP30 na CNI é um recado: este não será um evento meramente simbólico, mas um laboratório político e prático para mostrar que é viável alinhar crescimento e sustentabilidade. Belém não será apenas palco diplomático: será vitrine para projetos urbanos que caminhem com o planeta, desde a rotina do cotidiano urbano até os compromissos globais. No fim, a COP30 que importa é aquela que faz sentido para quem vive nas ruas, nas favelas, nos bairros, nos pequenos municípios e para quem ousa apostar que o clima exige urgência e parceria real entre Estado e mercado.