COP30 revela contrastes entre liderança real e falso protagonismo


O dia trouxe mais um capítulo da tradicional cerimônia não oficial da diplomacia climática: os prêmios simbólicos que revelam, com ironia afiada, quais países empurram o processo para frente — e quais insistem em puxá-lo para trás. No centro da cena está o “Fóssil do Dia”, concedido pela rede internacional Climate Action Network, que desde os anos 1990 expõe comportamentos que minam a ambição climática global. Em COP30, o destaque nada honroso recaiu sobre a Rússia, enquanto Arábia Saudita e União Europeia dividiram o título de “Fóssil Colossal”. Em contraste, a Colômbia brilhou como o “Raio da COP”, e os trabalhadores e voluntários do evento receberam uma menção especial.

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A Rússia foi a campeã do dia não exatamente por surpresas, mas pela consistência com que transformou a obstrução em método. Nas negociações de gênero, dedicou horas à defesa ferrenha de linguagem ultrapassada, como o retorno insistente a pronomes binários. Em discussões sobre transição justa e financiamento para adaptação, concentrou esforços em travar avanços e promover, uma vez mais, o mantra dos combustíveis fósseis disfarçados de “transicionais”. Seu argumento de que renováveis teriam “aspectos negativos” soou mais como uma tentativa de repaginar velhas resistências do que como contribuição substantiva.

A Rússia ainda exibiu outra façanha: a reinvenção estatística. A alegação de que o país já teria uma matriz energética “85% limpa” foi apresentada ao mundo como um grande feito, embora dependa de classificar gás e nuclear como tecnologias verdes. A mesma administração que adota esse discurso projeta, em sua Estratégia Energética 2050, a manutenção do carvão e do gás como pilares. Renováveis alcançam, nesse cenário, menos de 3% até 2040 — uma escolha estratégica comparável a adiar o despertador enquanto a casa pega fogo.

Do campo energético ao geopolítico, a desconexão é ainda mais evidente. O desempenho climático russo, segundo o Climate Change Performance Index, ocupa o 64º lugar entre 67 países avaliados. Sua meta para 2035 exige praticamente nenhum esforço adicional, o que faz da ambição um conceito decorativo. E a guerra na Ucrânia — iniciada na invasão de 2022 — adiciona uma camada de gravidade: as emissões relacionadas ao conflito já somam 237 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, superando as emissões anuais de países como Turquia ou Tailândia. O esforço bélico é financiado, em grande parte, pelas exportações de combustíveis fósseis, que geraram quase um trilhão de euros desde o início da invasão. O orçamento de defesa para 2026 alcança 157 bilhões de dólares, enquanto o financiamento climático permanece marginal.

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Ainda assim, talvez o gesto mais perigoso tenha sido o uso do processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para legitimar a ocupação de territórios ucranianos, incorporando-os em seu inventário oficial de emissões. Esse tipo de manobra ameaça a credibilidade do sistema multilateral e viola princípios básicos do regime internacional.

Se a Rússia levou o prêmio do dia, o “Fóssil Colossal” da COP inteira foi dividido entre a Arábia Saudita e a União Europeia. Dois atores muito distintos, mas que se encontraram na arte de bloquear avanços.

A Arábia Saudita se destacou por sua capacidade de desmontar consensos fundamentais. Rejeitou o reconhecimento da opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça (ICJ), tentou eliminar referências à proteção de defensoras ambientais, empurrou direitos humanos para nota de rodapé no tema de perdas e danos, e evitou qualquer movimento que indicasse seguimento ao compromisso global de transição longe dos fósseis. O país também propôs retirar menções ao IPCC, órgão central da ciência climática. Questionar a ciência em uma conferência sobre clima é um ato tão ousado quanto regressivo.

Do outro lado, a União Europeia exibiu uma forma mais burocrática de obstrução. Embora se apresente como líder climática, atuou em silêncio para restringir o alcance dos compromissos financeiros. Resistiu a ampliar o financiamento de adaptação, evitou clareza no cumprimento do Artigo 9.1 do Acordo de Paris, bloqueou propostas de financiamento público baseado em doações e reduziu orçamentos domésticos dedicados à ação climática. O contraste entre discurso e prática deixou países vulneráveis ainda mais descrentes da promessa de solidariedade.

Em meio a esse cenário, a Colômbia foi reconhecida como o “Raio da COP”. O país consolidou-se como uma das vozes mais firmes pela eliminação planejada dos combustíveis fósseis, defendendo a Declaração de Belém, apoiando o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis e preparando a primeira conferência internacional dedicada ao tema, em Santa Marta, no próximo ano. Também manteve postura construtiva nas negociações sobre florestas, adaptação e finanças, insistindo na coerência necessária entre o Artigo 2.1(c) e as obrigações de financiamento dos países desenvolvidos.

Por fim, uma menção especial foi concedida aos trabalhadores e voluntários da COP30, que sustentaram o evento em meio a calor extremo, fumaça, evacuações e atrasos. Sem eles, nenhuma negociação teria acontecido.