A privatização da Vale do Rio Doce, em 6 de maio de 1997, representou muito mais do que uma simples transação financeira. Foi o ápice do Programa Nacional de Desestatização (PND), intensificado no governo de Fernando Henrique Cardoso, em meio à onda neoliberal que varria a América Latina nos anos 1990.

O contexto político e econômico por trás da venda
O objetivo do programa era claro: reduzir o papel do Estado na economia e atrair investimentos privados para modernizar setores estratégicos.

A venda da Vale, no entanto, causou choque. Ao contrário de outras estatais deficitárias, a mineradora era lucrativa, eficiente e considerada estratégica. O governo defendia que a gestão privada aumentaria sua competitividade, enquanto críticos viam na operação uma entrega do patrimônio nacional sem justificativa econômica convincente.
O leilão que dividiu o país
O leilão das ações da Vale, realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, foi cercado de tensão e protestos. Do lado de fora, manifestantes e forte presença policial. Do lado de dentro, embates jurídicos com tentativas de barrar o certame por meio de liminares. Ao final do dia, o governo conseguiu levar adiante sua proposta.
O Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), recém-privatizada e sob o comando do empresário Benjamin Steinbruch, arrematou 41,73% das ações com direito a voto por cerca de US$ 3,34 bilhões. O valor representava um ágio de 20% sobre o mínimo estabelecido.
As críticas ao valor da venda
Desde o início, a operação foi alvo de fortes críticas. O principal ponto era a suposta subavaliação da empresa. Especialistas e opositores alegavam que o cálculo ignorava as reservas minerais gigantescas da companhia. Outro ponto controverso foi a forma de pagamento: parte do valor foi quitado com “moedas podres”, antigos títulos da dívida pública aceitos pelo valor nominal, embora tivessem baixa cotação no mercado. Para os críticos, o que entrou efetivamente nos cofres públicos foi muito menos do que anunciado.

Crescimento extraordinário e lucros bilionários
Privatizada, a Vale passou por uma transformação radical. Aproveitando o boom das commodities impulsionado pela China, multiplicou seu valor de mercado em mais de 3.500% nas décadas seguintes. Tornou-se uma das maiores mineradoras do mundo, gerando lucros extraordinários e distribuindo dividendos bilionários a seus acionistas.
Esse desempenho financeiro é citado por defensores da privatização como prova de seu sucesso. A empresa tornou-se um ícone da globalização econômica brasileira.
A sombra dos desastres ambientais
O sucesso econômico, no entanto, veio acompanhado de graves consequências. A busca incessante por rentabilidade teria deixado em segundo plano a segurança operacional. Essa percepção foi brutalmente confirmada com os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), ambos em Minas Gerais. O primeiro, envolvendo a Samarco (joint venture da Vale com a BHP Billiton), causou 19 mortes e a destruição da bacia do Rio Doce. O segundo, sob responsabilidade direta da Vale, deixou 272 mortos.
Esses episódios mancharam a reputação da empresa e alimentaram o debate sobre os custos sociais e ambientais de um modelo focado exclusivamente na rentabilidade dos acionistas.










































