Um retrato inédito do carbono nos biomas brasileiros
O Brasil deu um passo estratégico para compreender, com precisão científica, quanto carbono está armazenado em seus solos e ecossistemas. A Petrobras, a Shell Brasil e o Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical da Universidade de São Paulo – CCarbon/USP lançaram o projeto Carbon Countdown, uma iniciativa de grande escala que pretende mapear os estoques de carbono em todos os biomas brasileiros, abrangendo tanto áreas agrícolas quanto ecossistemas nativos.

Com investimento estimado em cerca de R$ 100 milhões, o projeto nasce com uma ambição clara: criar o primeiro banco de dados nacional, aberto e gratuito, sobre carbono no solo e na vegetação. Trata-se de uma lacuna histórica no país, que abriga alguns dos ecossistemas mais importantes do planeta, mas ainda carece de valores de referência consolidados sobre seus estoques naturais de carbono.
O levantamento será executado ao longo de cinco anos por pesquisadores da USP e de uma ampla rede de universidades e centros de pesquisa distribuídos pelas diferentes regiões do Brasil. Ao final, os dados estarão disponíveis para qualquer interessado, permitindo aplicações que vão da conservação ambiental à modelagem climática, passando pelo planejamento territorial e pela formulação de políticas públicas.
Ciência aberta para clima, território e restauração
Ao optar por um modelo de dados abertos, o Carbon Countdown se alinha às tendências internacionais de transparência científica e inovação colaborativa. Segundo Olivier Wambersie, diretor de Tecnologia da Shell Brasil, o projeto cria uma base robusta e confiável de informações sobre os estoques naturais de carbono, algo essencial para reduzir incertezas em iniciativas de restauração ecológica e em projetos de créditos de carbono.
Em um cenário global marcado pela urgência climática, a falta de dados consistentes é um dos principais entraves para a expansão de mercados ambientais e para a credibilidade de mecanismos de compensação de emissões. Ao oferecer informações padronizadas e de alta qualidade, o projeto pode contribuir para elevar o rigor técnico desses instrumentos e fortalecer a posição do Brasil em negociações internacionais relacionadas ao clima e à biodiversidade.
A iniciativa também dialoga com o avanço da bioeconomia, ao conectar ciência de ponta, uso sustentável do solo e valorização dos ecossistemas. Ao mapear o carbono armazenado em diferentes paisagens, o projeto ajuda a demonstrar, com números, o valor ambiental e econômico de manter florestas, savanas e áreas úmidas preservadas ou restauradas.

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Um inventário de escala continental
O Carbon Countdown se destaca não apenas pelo objetivo, mas também pela escala. O levantamento vai abranger cerca de 6,5 mil áreas demarcadas em todo o território nacional. Estão previstas mais de 250 mil amostras de solo, além de um volume ainda maior de amostras de vegetação e aproximadamente 400 mil coletas de atributos complementares.
Segundo o coordenador científico do projeto, Maurício Roberto Cherubin, esse esforço permitirá gerar, pela primeira vez, valores de referência nacionais para os estoques de carbono no solo e na biomassa vegetal. Esses parâmetros são fundamentais para aprimorar metodologias de quantificação, reduzir margens de erro e aumentar a competitividade de projetos de produção sustentável e restauração ambiental.
A estrutura do projeto prevê a criação de uma rede nacional organizada em polos regionais, distribuídos pelos seis biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa. Cada polo contará com equipes locais de pesquisadores, profissionais de campo e infraestrutura laboratorial, garantindo capilaridade territorial e, ao mesmo tempo, a aplicação de metodologias unificadas.
PD&I, transição e protagonismo científico
O financiamento do Carbon Countdown vem da cláusula de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) prevista nos contratos de exploração e produção de óleo e gás. Esse mecanismo tem sido cada vez mais utilizado para direcionar recursos do setor fóssil para iniciativas alinhadas à transição energética e à agenda climática.
Nesse sentido, o projeto simboliza uma inflexão importante: recursos originados da exploração de petróleo e gás passam a financiar conhecimento científico essencial para enfrentar as mudanças climáticas. Para os pesquisadores envolvidos, o rigor técnico aplicado ao inventário, combinado à expertise das universidades brasileiras, cria uma base sólida para futuras inovações e posiciona o país na vanguarda do conhecimento sobre carbono e uso do solo.
Além de fortalecer a ciência nacional, o Carbon Countdown pode servir de referência para outros países tropicais, que enfrentam desafios semelhantes na mensuração de estoques de carbono e na implementação de políticas de mitigação e adaptação climática. Ao transformar dados em bem público, o projeto amplia o alcance social e ambiental do conhecimento científico e reforça o papel do Brasil como protagonista no debate global sobre clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável.












































