A 16ยช Conferรชncia da ONU sobre Biodiversidade (COP16), que teve inรญcio em 21 de outubro de 2024 em Cali, Colรดmbia, trouxe novamente ร tona o papel crรญtico do Brasil na preservaรงรฃo da biodiversidade global. Detentor de mais de 20% da biodiversidade do planeta, o Brasil tem uma responsabilidade enorme para com o futuro ambiental nรฃo apenas de sua populaรงรฃo, mas de todo o mundo. No entanto, o paรญs chega a este evento sem uma Estratรฉgia e Plano de Aรงรฃo Nacional para a Biodiversidade (NBSAP) definido e estruturado, o que levanta crรญticas e preocupaรงรตes a respeito do real comprometimento da naรงรฃo com os acordos globais firmados.
Este artigo analisa de forma crรญtica os desafios que o Brasil enfrenta nesse contexto, incluindo a morosidade do Ministรฉrio do Meio Ambiente, liderado pela Ministra Marina Silva, na elaboraรงรฃo de um plano nacional robusto para a biodiversidade, os obstรกculos polรญticos internos que contribuem para o atraso, e as repercussรตes internacionais dessa falha. Alรฉm disso, serรก feita uma comparaรงรฃo com as aรงรตes de outros paรญses que estรฃo mais adiantados em seus compromissos ambientais e como suas estratรฉgias podem servir de exemplo para o Brasil.
A COP16 e o Marco Global de Biodiversidade
A COP16 faz parte de um esforรงo global coordenado para frear a perda de biodiversidade e restaurar ecossistemas essenciais para o equilรญbrio climรกtico e para a vida na Terra. O Marco Global Kunming-Montreal para a Diversidade Biolรณgica, estabelecido nas conferรชncias anteriores, tem como objetivo principal proteger pelo menos 30% das รกreas terrestres e marinhas atรฉ 2030, alรฉm de garantir que a exploraรงรฃo dos recursos naturais se dรช de forma sustentรกvel. Esse acordo foi um avanรงo significativo no compromisso das naรงรตes em proteger a biodiversidade, com 196 paรญses comprometidos a entregar planos nacionais claros para atingir essas metas.
Esses planos, conhecidos como NBSAPs, sรฃo fundamentais para que cada paรญs possa alinhar suas polรญticas nacionais ร s metas globais e apresentar resultados concretos. O prazo para a entrega desses documentos era a COP16, mas o Brasil, juntamente com 163 outros signatรกrios, nรฃo apresentou suas metas atualizadas, o que coloca o paรญs em uma posiรงรฃo delicada nas negociaรงรตes.
O Atraso Brasileiro e suas Justificativas
O Brasil, que deveria desempenhar um papel de lideranรงa na COP16 devido ร sua enorme biodiversidade, encontra-se em uma situaรงรฃo desconfortรกvel. O governo prometeu a entrega de um plano robusto atรฉ o final de 2024, mas chegou ao evento sem uma estratรฉgia concreta em mรฃos. As justificativas para o atraso incluem a complexidade do processo de consulta pรบblica, a reativaรงรฃo de estruturas governamentais desmontadas durante a gestรฃo anterior e a necessidade de realizar uma revisรฃo completa da NBSAP, em vez de apenas atualizรก-la.
Esses fatores, embora importantes, nรฃo sรฃo suficientes para justificar o tempo perdido. Outros paรญses enfrentam desafios semelhantes e, ainda assim, conseguiram apresentar seus planos dentro do prazo. A Ministra Marina Silva, reconhecida internacionalmente por sua trajetรณria de luta em defesa do meio ambiente, tem enfrentado crรญticas tanto internas quanto externas pela lentidรฃo na execuรงรฃo das polรญticas ambientais. Embora sua lideranรงa seja vista como fundamental para reverter os danos causados pelo governo anterior, a falta de celeridade nas aรงรตes preocupa ambientalistas e outros membros da sociedade civil.
O Brasil, ao nรฃo entregar sua NBSAP durante a COP16, perde a oportunidade de se posicionar como lรญder na proteรงรฃo da biodiversidade, um papel que desempenhou em momentos histรณricos passados. O atraso nรฃo apenas prejudica a reputaรงรฃo do paรญs, como tambรฉm enfraquece sua capacidade de influenciar o debate internacional sobre questรตes ambientais cruciais, especialmente em um contexto global cada vez mais pressionado pelas mudanรงas climรกticas e pela destruiรงรฃo dos ecossistemas.
A Complexidade da Governanรงa Ambiental no Brasil
Um dos principais argumentos utilizados pelo governo brasileiro para justificar o atraso na apresentaรงรฃo do plano รฉ a complexidade da governanรงa ambiental no paรญs. O Brasil, com sua vasta extensรฃo territorial, abriga uma diversidade de ecossistemas e uma populaรงรฃo igualmente diversa, o que torna a construรงรฃo de um plano de biodiversidade abrangente uma tarefa monumental. De fato, o envolvimento de diversas partes interessadas โ desde comunidades indรญgenas e quilombolas atรฉ o setor empresarial e governamental โ exige um amplo processo de consulta.
Alรฉm disso, a Comissรฃo Nacional de Biodiversidade (Conabio), รณrgรฃo responsรกvel por promover a implementaรงรฃo dos compromissos do Brasil com a Convenรงรฃo sobre Diversidade Biolรณgica (CDB), sรณ foi reativada este ano apรณs ter sido extinta na gestรฃo de Jair Bolsonaro. A Conabio รฉ composta igualmente por representantes do governo e da sociedade civil e, portanto, requer tempo para restaurar seu funcionamento pleno e garantir que todas as vozes sejam ouvidas no processo de formulaรงรฃo das polรญticas de biodiversidade.
A necessidade de reconstruir estruturas governamentais desmanteladas pelo governo anterior, como a Conabio e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), acrescenta uma camada extra de dificuldade ร jรก complexa tarefa de proteger a biodiversidade brasileira. No entanto, esses desafios nรฃo sรฃo exclusivos do Brasil. Outros paรญses enfrentam pressรตes polรญticas e econรดmicas semelhantes, mas conseguiram avanรงar na implementaรงรฃo de suas estratรฉgias ambientais, o que nos leva a questionar se a justificativa do governo brasileiro รฉ suficiente para explicar a morosidade na aรงรฃo.
O Papel de Marina Silva
Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente, รฉ uma figura central no debate ambiental brasileiro e global. Tendo liderado o Ministรฉrio em gestรตes anteriores e sendo reconhecida internacionalmente por sua atuaรงรฃo em prol da preservaรงรฃo da Amazรดnia, sua volta ao governo em 2023 foi vista com grande esperanรงa por ambientalistas. No entanto, sua atuaรงรฃo nesta nova gestรฃo tem sido marcada por desafios significativos.
A ministra herdou uma pasta completamente desmantelada pelo governo Bolsonaro, que reduziu drasticamente o orรงamento para aรงรตes de fiscalizaรงรฃo ambiental e desregulamentou รกreas essenciais para a proteรงรฃo de ecossistemas. Reconstruir as estruturas de governanรงa ambiental tem sido uma tarefa รกrdua, e o apoio popular e internacional que Marina Silva inicialmente recebeu comeรงa a se dissipar devido ร lentidรฃo na implementaรงรฃo de aรงรตes concretas.
Apesar disso, รฉ importante reconhecer que Marina Silva trabalha em um contexto polรญtico extremamente complexo. O Brasil, embora seja um paรญs riquรญssimo em biodiversidade, tem um setor agrรญcola poderoso e uma economia fortemente dependente da exploraรงรฃo de recursos naturais. A ministra enfrenta pressรตes constantes de setores que se opรตem ร implementaรงรฃo de medidas mais rรญgidas de preservaรงรฃo ambiental, o que limita sua capacidade de aรงรฃo.
No entanto, a falta de um plano nacional claro para a biodiversidade atรฉ o momento expรตe as fragilidades do governo em coordenar esforรงos e garantir que o Brasil esteja alinhado com os compromissos internacionais. A recuperaรงรฃo da Conabio e do Conama sรฃo passos importantes, mas a lentidรฃo na conclusรฃo das metas e estratรฉgias deixa o Brasil para trรกs em um momento crรญtico para a biodiversidade global.
O Impacto Internacional do Atraso Brasileiro
A falta de um plano concreto do Brasil para a biodiversidade tem implicaรงรตes significativas no cenรกrio internacional. O paรญs, que sempre foi visto como um ator central nas negociaรงรตes ambientais globais, agora corre o risco de perder credibilidade e influรชncia nas discussรตes sobre a proteรงรฃo de ecossistemas e o combate ร s mudanรงas climรกticas. Isso ocorre em um momento em que a comunidade internacional estรก pressionando cada vez mais por aรงรตes concretas para reverter a crise ambiental.
A COP16 รฉ um evento de extrema importรขncia para definir as diretrizes globais de preservaรงรฃo da biodiversidade nos prรณximos anos. Ao nรฃo apresentar um plano claro, o Brasil corre o risco de ser visto como um paรญs que nรฃo estรก ร altura de suas responsabilidades. Essa percepรงรฃo pode afetar nรฃo apenas a imagem do paรญs no exterior, mas tambรฉm sua capacidade de atrair investimentos e apoio internacional para projetos de preservaรงรฃo ambiental.
Alรฉm disso, a ausรชncia de uma estratรฉgia bem definida na COP16 diminui a capacidade do Brasil de influenciar os debates e de assumir um papel de lideranรงa em iniciativas globais. Outros paรญses, como a Alemanha e a Franรงa, que devem apresentar suas NBSAPs atualizadas com metas ambiciosas de preservaรงรฃo, reforรงarรฃo suas posiรงรตes como lรญderes no campo da biodiversidade, enquanto o Brasil ficarรก ร margem.
Exemplos de Lideranรงa Internacional em Biodiversidade
Enquanto o Brasil luta para concluir seu plano nacional, outros paรญses tรชm avanรงado significativamente em suas polรญticas de proteรงรฃo da biodiversidade. A Alemanha, por exemplo, deve anunciar na COP16 uma sรฉrie de iniciativas voltadas para a proteรงรฃo de suas florestas e ecossistemas aquรกticos. O paรญs pretende expandir suas รกreas protegidas, garantir a restauraรงรฃo de ecossistemas degradados e implementar polรญticas rigorosas para a reduรงรฃo da poluiรงรฃo e da perda de espรฉcies.
Outro exemplo รฉ o Canadรก, que se comprometeu a proteger 30% de suas รกreas terrestres e marinhas atรฉ 2030. O paรญs tem investido pesadamente em soluรงรตes baseadas na natureza, como a recuperaรงรฃo de รกreas รบmidas e florestas, alรฉm de trabalhar em estreita colaboraรงรฃo com comunidades indรญgenas para garantir a proteรงรฃo de terras tradicionais.
A Franรงa tambรฉm tem sido uma voz ativa nas discussรตes internacionais sobre biodiversidade. O paรญs estรก focado na recuperaรงรฃo de ecossistemas costeiros e marinhos, reconhecendo a importรขncia dessas รกreas para a saรบde dos oceanos e para a mitigaรงรฃo dos impactos das mudanรงas climรกticas. Alรฉm disso, a Franรงa tem investido em polรญticas de desenvolvimento sustentรกvel que integram a proteรงรฃo da biodiversidade ao planejamento urbano e rural.
Esses exemplos mostram que รฉ possรญvel avanรงar em polรญticas ambientais robustas mesmo em contextos de pressรฃo econรดmica e polรญtica. O que falta ao Brasil, neste momento, รฉ a capacidade de coordenar esforรงos e acelerar a implementaรงรฃo de aรงรตes concretas, o que requer nรฃo apenas vontade polรญtica, mas tambรฉm uma gestรฃo eficiente e um compromisso claro com as metas internacionais.
O Brasil, como o paรญs mais biodiverso do mundo, deveria estar ร frente das discussรตes globais sobre a preservaรงรฃo ambiental. No entanto, a lentidรฃo na elaboraรงรฃo de seu plano de biodiversidade e a ausรชncia de metas claras na COP16 colocam em xeque o comprometimento do paรญs com a causa. A Ministra Marina Silva, embora reconhecida por sua trajetรณria de luta em prol do meio ambiente, enfrenta desafios significativos para coordenar as aรงรตes do governo e garantir que o Brasil recupere seu protagonismo.
A reconstruรงรฃo de instituiรงรตes ambientais desmanteladas รฉ uma tarefa essencial, mas a morosidade no processo tem gerado frustraรงรตes tanto internas quanto externas. O paรญs ainda tem tempo para se reposicionar como lรญder na biodiversidade global, mas isso exigirรก um esforรงo coordenado, polรญticas claras e aรงรตes concretas para proteger seus vastos ecossistemas.
No prรณximo artigo, exploraremos as perspectivas internacionais para a COP16, destacando as estratรฉgias que outros paรญses estรฃo implementando e como essas aรงรตes podem servir de inspiraรงรฃo para o Brasil na sua busca por um futuro mais sustentรกvel.
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