Radar registra espiral de 422 mil andorinhas nos céus da Amazônia


Um espetáculo pouco conhecido da natureza foi revelado por radares meteorológicos em Manaus: a dispersão sincronizada de centenas de milhares de andorinhas ao amanhecer. A análise de dois anos de dados feita por pesquisadores da USP e da Universidade Estadual do Colorado mostrou que até 422 mil aves podem levantar voo de dormitórios localizados na região, formando no céu um padrão circular batizado de donut, semelhante a um pneu. O estudo, publicado na revista Ecology and Evolution, é o primeiro a identificar a escala e a localização desses dormitórios na Amazônia.

Andorinha - Divulgação Blog Petz

A investigação utilizou o radar meteorológico do Serviço de Proteção da Amazônia (SIPAM), equipamento projetado para monitorar chuvas e tempestades, mas que também registra ecos produzidos por aves em movimento. Foi assim que os cientistas localizaram três dormitórios permanentes e cinco transitórios, a maioria situada em áreas protegidas próximas aos rios Negro e Amazonas, a menos de 50 quilômetros da capital amazonense.

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Espiral de 422 mil Andorinhas – Divulgação

Para identificar as espécies envolvidas, os dados de radar foram cruzados com registros de observadores em plataformas como WikiAves e eBird. O resultado apontou principalmente para a presença da andorinha-azul (Progne subis), que se reproduz na América do Norte, e da andorinha-do-sul (Progne elegans), pouco estudada e migrante vinda da Argentina e do sul do Brasil.

A escala do fenômeno surpreende: os dormitórios próximos a Manaus reúnem de quatro a sete vezes mais andorinhas por dia do que regiões monitoradas nos Grandes Lagos, nos Estados Unidos, mesmo que a área norte-americana observada seja quase nove vezes maior.

Para a bióloga Maria Belotti, autora principal do estudo, o achado tem um simbolismo especial. “É fascinante pensar que essas aves migratórias, usadas por tantas culturas como marcadores do tempo, conectam os Cree, no Canadá, aos Tehuelche, no sul da Argentina, e que o elo dessa corrente está na Amazônia”, afirma. Ela destaca ainda a importância das unidades de conservação ao redor de Manaus, que funcionam como refúgios para as aves em meio ao avanço da urbanização. A perda dessas áreas, alerta, pode ter impactos em ecossistemas separados por mais de 10 mil quilômetros.

Além da relevância científica, a pesquisa mostra o potencial da tecnologia para a conservação. O uso de radares meteorológicos pode ajudar a prever concentrações massivas de aves, orientar estratégias de proteção, reduzir riscos de colisão em aeroportos e auxiliar na operação de parques eólicos. Os próximos passos da equipe incluem integrar dados de outros radares brasileiros com observações de campo, expandindo a análise para diferentes espécies e ampliando o entendimento sobre a migração em escala continental.

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