A desigualdade climática nunca foi tão evidente. Segundo o relatório Saque Climático: como poucos ricos e poderosos estão levando o planeta ao colapso, divulgado pela Oxfam em 29 de outubro, o 0,1% mais rico da população mundial emite, em apenas um dia, mais gases de efeito estufa do que metade dos mais pobres. A cada 24 horas, um integrante dessa elite libera cerca de 800 quilos de CO₂ equivalente, enquanto uma pessoa da base econômica emite apenas dois quilos.

Os dados revelam um abismo crescente na responsabilidade pela crise climática. Em 24 anos, a participação dos super-ricos nas emissões globais aumentou 32%, enquanto a dos mais pobres caiu 3%. O estudo, baseado em estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mostra que quase 90% do “orçamento de carbono” restante para limitar o aquecimento global a 1,5°C — meta do Acordo de Paris — já foi consumido.
De acordo com a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Viviana Santiago, o relatório reforça a urgência de aplicar o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas — conceito que reconhece que todos os países devem agir contra o aquecimento global, mas em proporções compatíveis com seu impacto e capacidade. “Nosso modo de vida coletivo reflete essa desigualdade. Quem mais contribui para a crise precisa ser o primeiro a agir”, afirma Santiago.
O documento também quantifica o peso da elite global no desequilíbrio climático. Se toda a população mundial tivesse o mesmo padrão de emissão dos mais ricos, o planeta ultrapassaria o limite seguro de aquecimento em menos de três semanas. O estilo de vida e os investimentos dessa minoria concentram uma carga desproporcional de carbono, enquanto os efeitos — secas, enchentes e perda de biodiversidade — recaem sobre os mais vulneráveis.

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A Oxfam calcula que os mais ricos precisariam reduzir suas emissões individuais em 99% até 2030 para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C. O desafio, porém, vai além do consumo pessoal: grande parte das emissões vem do poder financeiro. Cerca de 60% dos investimentos da elite global estão aplicados em setores altamente emissores, como petróleo, gás e mineração. Segundo o relatório, o bilionário médio é responsável por 1,9 milhão de toneladas de CO₂e por ano apenas por meio de seus investimentos — o equivalente à pegada de 400 mil pessoas comuns.
O impacto não é apenas ambiental, mas também político. O relatório mostra como o poder econômico dos grandes emissores influencia espaços de decisão internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP). Na COP29, realizada em 2024 em Baku, no Azerbaijão, 1.773 participantes ligados às indústrias de carvão, petróleo e gás receberam credenciais oficiais — um número superior ao total de delegados dos dez países mais vulneráveis ao clima somados.
Esse desequilíbrio reforça a contradição central da transição climática: os que mais lucram com a destruição do planeta também ocupam os espaços onde se decidem as políticas para contê-la. “Essas elites não apenas poluem mais, como moldam as regras do jogo climático global”, observa Santiago.
Entre as soluções propostas, a Oxfam defende a taxação progressiva sobre fortunas e investimentos poluentes, a limitação da influência de grandes corporações nos fóruns climáticos, a redistribuição do orçamento verde global e o fortalecimento da participação da sociedade civil, de comunidades tradicionais e de povos indígenas nas decisões.
Para o diretor-executivo da Oxfam Internacional, Amitabh Behar, a crise climática é, antes de tudo, uma crise de desigualdade. “Os indivíduos mais ricos financiam e lucram com a destruição do clima, enquanto a maioria da população mundial paga o preço das consequências fatais do seu poder sem controle”, resume.
O relatório reacende o debate sobre justiça climática às vésperas da COP30 — que será realizada em Belém, em 2025 — e desafia governos, empresas e cidadãos a encarar a crise não apenas como um problema ambiental, mas como uma questão ética e civilizatória.







































