Robôs submersíveis ampliam o monitoramento dos oceanos com precisão


Uma nova era para a observação dos oceanos

A exploração dos mares, há décadas dominada por instrumentos pesados e logísticas complexas, está sendo transformada pela robótica subaquática. Veículos não tripulados, que antes eram utilizados apenas em aplicações militares ou industriais, hoje ganham papel fundamental em pesquisas científicas, monitoramento ambiental e inspeção de infraestrutura submarina. Essa revolução tecnológica nasce da combinação entre avanços em sensores, inteligência artificial e engenharia de materiais, que permite operar em profundidades antes inacessíveis com custo e riscos reduzidos.

Jason Gulley / Ocean Exploration / NOAA

Um estudo publicado em maio de 2025 na revista Scientific Reports, do grupo Nature, mostrou que drones submersíveis conhecidos como gliders — ou planadores oceânicos — podem detectar sinais sísmicos no fundo do mar de maneira eficiente e econômica. Idealizados como parte do projeto de monitoramento acústico da Bacia de Santos, coordenado pela Petrobras, esses equipamentos equipados com hidrofones captaram sons que, ao serem comparados com catálogos de eventos sísmicos e analisados por algoritmos avançados, identificaram 12 tremores de magnitude superior a seis. Segundo os pesquisadores envolvidos, incluindo o geofísico Marcelo Belentani de Bianchi, do IAG-USP, e Diogo Luiz de Oliveira Coelho, do Observatório Nacional (ON), os gliders abrem uma perspectiva inédita para a sismologia marinha, tradicionalmente limitada por custos e logística.

Do fundo oceânico às fronteiras da ciência tecnológica

Historicamente, o monitoramento sísmico subaquático dependia de sismômetros de fundo oceânico (OBS), equipamentos pesados que exigem navios equipados com guindastes e equipes especializadas para imersão e retirada. Além do alto custo, esses instrumentos são pouco adequados para cobertura contínua e em larga escala. Os gliders, por sua vez, lembram planadores aéreos: sem motores propulsores tradicionais, alteram sua flutuabilidade por meio de bexigas internas que lhes permitem mergulhar e subir repetidamente, coletando dados em longos percursos e se comunicando por satélite ao emergirem. Essa autonomia, combinada ao baixo custo operacional, os torna candidatos ideais para monitoramento contínuo dos oceanos.

Outro tipo de drone submarino é o ROV — remotely operated vehicle ou veículo operado remotamente — que ainda depende de cabos conectados à embarcação controladora. Esses sistemas nasceram na década de 1950 para fins militares, como detecção de minas ou submarinos, mas nas últimas décadas tiveram sua aplicação ampliada para inspeções industriais e estudos ambientais. O crescimento dessa tecnologia foi particularmente impulsionado pela indústria de petróleo e gás offshore, e hoje os ROV são presença constante em operações de inspeção de dutos, plataformas e ecossistemas marinhos.

rpf-drones-robo-Luma-2025-12-1140-400x260 Robôs submersíveis ampliam o monitoramento dos oceanos com precisão
Marco Samuel Rios Morale

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Inovação brasileira em robótica submersa

No Brasil, a pesquisa em robótica oceânica também tem raízes profundas. O Instituto Alberto Luiz de Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) trabalha com robôs subaquáticos desde os anos 1990, desenvolvendo protótipos que vão desde o Luma, concebido para inspeções em hidrelétricas e que chegou a operar a mil metros de profundidade na Antártida, até o robô Ariel, projetado para auxiliar na detecção de vazamentos em plataformas marítimas e coordenado com a embarcação Tupan.

Outro projeto emblemático é o FlatFish, um AUV (autonomous underwater vehicle) originalmente desenvolvido a partir de uma parceria entre a Shell Brasil, o Senai Cimatec, o Deutsches Forschungszentrum für Künstliche Intelligenz (DFKI) e apoiado por instituições brasileiras como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Embrapii. O FlatFish foi um ponto de inflexão para a tecnologia nacional, reunindo engenheiros de diferentes áreas e consolidando bases para futuras inovações em inspeções subaquáticas com inteligência artificial.

O cenário acadêmico também é marcado por esforços pioneiros na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), onde o Laboratório de Veículos Não Tripulados (LVNT) desenvolve desde 2005 diversos robôs submarinos. Projetos como o AUV Pirajuba e a linha de ROVs Dourado e Mandi mostram que a robótica brasileira não apenas acompanha tendências globais, mas busca respostas específicas às demandas de monitoramento ambiental e industrial.

Aplicações que atravessam fronteiras

A utilização de robôs submarinos ultrapassa o âmbito da pesquisa pura e tem impactos diretos na conservação ambiental. Um exemplo é o Hindrax, um ROV criado a partir de pesquisas na Universidade Federal do ABC (UFABC), utilizado no Peru para monitorar populações de vieiras, moluscos de importância ecológica e econômica. Equipado com câmeras de alta definição e algoritmos de inteligência artificial, o equipamento auxilia pescadores a estimar números e tamanhos dessas espécies, contribuindo para práticas de pesca mais sustentáveis.

A colaboração internacional também tem papel fundamental na expansão dessas tecnologias. Projetos como o Parati — um veículo híbrido que combina funcionalidade autônoma e controle por cabo de fibra óptica — envolvem pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e estrangeiras, como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidad de La Serena, no Chile. Essas parcerias mostram que a robótica submarina é uma fronteira que convoca cooperação global para enfrentar desafios que vão da vigilância de ecossistemas à mitigação de impactos de atividades humanas.

A convergência de tecnologias, desde sensores acústicos a inteligência artificial, coloca os oceanos no centro de uma nova agenda científica e tecnológica. Se no passado os mares pareciam um território inatingível, hoje eles são alvo de investigação contínua que ilumina tanto sua dinâmica física quanto as complexas interações entre atividades humanas e ecossistemas marinhos. Os drones submersíveis, com suas capacidades únicas, transformam não apenas a forma de coletar dados, mas também de interpretar e proteger um dos ambientes mais vastos e essenciais do planeta.