Povos Indígenas lideram a restauração ambiental com ciência e tradição

Combinação de conhecimentos tradicionais e tecnologias modernas transforma paisagens devastadas e fortalece a autonomia dos povos originários.


Durante décadas, a conversão de florestas em pastagens ameaçou a existência de comunidades indígenas em Minas Gerais. Mas hoje, os Tikmũ’ũn-Maxakali, povo com cerca de 2.500 integrantes espalhados entre Santa Helena de Minas e Teófilo Otoni, protagonizam uma reviravolta ecológica através da ciência e sabedoria ancestral.

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Reflorestar para viver: o exemplo Tikmũ’ũn-Maxakali


Com o apoio do Projeto Hãmhi Terra Viva, eles vêm restaurando trechos significativos da Mata Atlântica. Em apenas um ano, foram recuperados 150 hectares de floresta e implantados 60 hectares de quintais agroecológicos, reintroduzindo espécies como bananeiras, mangueiras, açaizeiros, urucum e cupuaçu.

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Imagem: Júlia Guedes

Sabedoria ancestral e tecnologia de mãos dadas

O projeto, idealizado por pesquisadores em parceria com o Instituto Opaoká e financiado por acordos firmados com o Ministério Público de Minas, alia ciência e tradição. Os indígenas foram capacitados como agentes agroflorestais, recebendo ferramentas, formação técnica e uma bolsa mensal.
Maurílio Maxakali, um dos 30 agentes formados, resume a transformação: Os brancos trouxeram o gado e destruíram a mata. Agora, estamos plantando em áreas maiores, como nossos antigos faziam, e a floresta vai voltar.

A iniciativa também se estende à formação acadêmica. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professores Tikmũ’ũn recebem formação em agrofloresta, reforçando a conexão entre cultura, ecologia e educação.

Resistência em sementes: a experiência do Xingu

A Terra Indígena do Xingu, situada entre os biomas Cerrado e Amazônia, é um dos maiores exemplos de mobilização ambiental indígena. Há duas décadas, lideranças da região fundaram a Rede de Sementes do Xingu (RSX). Hoje, 25 grupos coletores mantêm viva a prática de coleta e comercialização de sementes nativas, usadas para reflorestar áreas degradadas.

Em 2024, o grupo bateu recorde: 45 toneladas de sementes de mais de 130 espécies. A venda é destinada a proprietários rurais que precisam cumprir exigências ambientais, além de universidades e ONGs que desenvolvem pesquisas genéticas.

A força da mulher na restauração ecológica

Amanda Kayabi, 23 anos, é símbolo dessa nova geração. Primeira mulher a atuar na RSX, ela participa da rede desde os 13 anos. Hoje, coordena nove grupos coletores e organiza a logística das sementes.
A floresta tem suas regras. Pedimos permissão antes de colher porque precisamos dela para viver, explica. Mas também precisamos dos laboratórios. Juntos, saber tradicional e ciência fazem o reflorestamento acontecer.

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Fonte: Projeto Semente

Muvuca: a técnica que semeia o futuro

A RSX foi pioneira na técnica de “muvuca”, uma mistura de sementes nativas plantadas diretamente no solo, que substitui mudas de viveiros. A prática vem ganhando reconhecimento nacional por sua eficácia e custo reduzido.

A Rede faz parte do Redário, articulação que integra mais de 2.500 coletores em 13 estados e cinco biomas. Desde 2019, foram distribuídas 638 toneladas de sementes, suficientes para restaurar 21,5 mil hectares. Além disso, o Redário oferece suporte legal, comercial e técnico às redes de coleta.

Floresta viva, cultura viva

Com projetos como “Na Trilha da Floresta Viva”, apoiado pelo BNDES, a RSX planeja restaurar 200 hectares no Médio e Alto Xingu. Essas ações reforçam não apenas a preservação ambiental, mas também a soberania cultural e alimentar dos povos originários.