Saneamento vira eixo central da adaptação climática global

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A crise climática tem pressionado os sistemas urbanos de uma maneira cada vez mais evidente, e o saneamento básico — frequentemente tratado como um tema estritamente técnico — emerge agora como um dos pilares da adaptação global. A avaliação é de Jose Gesti, consultor de Água e Clima da associação internacional Sanitation and Water for All (SWA), entidade ligada ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e reconhecida por articular governos e sociedade civil na defesa do acesso universal à água e ao esgotamento sanitário. Em entrevista concedida durante sua participação na COP30 em Belém, Gesti reforça que o mundo não conseguirá responder adequadamente aos impactos climáticos se não enfrentar, com urgência, o déficit histórico de saneamento.

Imagem: Antonio Cicero/Photo Press/Folhapress

O número mais recente divulgado pelas Nações Unidas (ONU) é contundente: 3,4 bilhões de pessoas seguem sem acesso a saneamento seguro. Outras 2,1 bilhões não conseguem obter água potável de forma confiável. Por trás desses indicadores estão famílias inteiras expostas a doenças evitáveis, crianças consumindo água contaminada e comunidades presas em ciclos de pobreza que se perpetuam justamente pela ausência de serviços básicos. Para o especialista, a distância entre compromissos e avanços concretos continua sendo o entrave mais crítico para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A crise climática intensifica esse cenário. Enchentes mais frequentes, secas prolongadas, contaminação de mananciais, insegurança alimentar e deslocamentos forçados resultam diretamente da fragilidade ou inexistência de sistemas de água e esgotamento. A infraestrutura urbana, quando precária, transforma cada evento extremo em um impacto devastador. Gesti lembra que, na Reunião de Ministros de Setor realizada em Madri em 2025, a SWA insistiu na necessidade de integrar políticas de água, saneamento, meio ambiente, saúde e finanças para romper com abordagens fragmentadas que já não respondem à escala dos desafios atuais.

Belém, sede da COP30 e retrato de contradições socioambientais brasileiras, aparece de forma emblemática nesse debate. No ranking anual do Instituto Trata Brasil, a capital paraense se mantém entre os dez piores municípios em cobertura de esgotamento sanitário: em 2025, apenas 27,51% da população tinha atendimento adequado. O quadro ajuda a expor, diante da comunidade internacional, como vulnerabilidades locais dialogam com a agenda global de adaptação climática. Para Gesti, ao apresentar exemplos reais de precariedade, a cidade contribui para que o tema deixe os bastidores técnicos e alcance os espaços de tomada de decisão.

2019-08-16T171820Z_1_LYNXNPEF7F1F7_RTROPTP_4_SANEAMENTO-PINHEIROS-DORIA-300x187 Saneamento vira eixo central da adaptação climática global

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A COP30, afirma o consultor, cria uma oportunidade singular para reconstruir prioridades. A centralidade da água e do saneamento no enfrentamento da crise climática já começa a ser reconhecida em negociações internacionais, e esse movimento abre espaço para novos fluxos de financiamento, políticas coordenadas e mecanismos de implementação que aproximam compromissos de resultados concretos. Cidades com drenagem urbana permeável, redes de esgoto resilientes e bacias hidrográficas protegidas tornam-se, ao mesmo tempo, mais saudáveis e mais preparadas para eventos extremos.

A discussão avança também sobre a dimensão social do problema. Para Gesti, ignorar a relação entre acesso desigual ao saneamento e injustiças estruturais é fechar os olhos para o racismo ambiental. Em todo o mundo, populações marginalizadas vivem nas áreas mais expostas a enchentes, contaminação e ausência de investimentos públicos. O déficit de saneamento, portanto, não se distribui de maneira aleatória; ele segue padrões históricos de desigualdade. Quando a qualidade da água ou do esgoto depende de raça, renda ou geografia, o que está em jogo não é apenas infraestrutura, mas direitos humanos.

Superar essas assimetrias exige que políticas de saneamento priorizem territórios negligenciados, garantam transparência na alocação de recursos e fortaleçam a participação social nos processos decisórios. E, sobretudo, que adotem a equidade como fundamento, não como adendo. Para o especialista, sociedades só conseguem enfrentar de maneira justa a crise climática quando asseguram que todos — sem exceções — tenham acesso a serviços de água e esgoto dignos, seguros e resilientes.