O retorno do sorotipo 3 da dengue (DENV-3) ao Brasil, após 17 anos, pode agravar a situação dos surtos da doença no país. A razão para esse risco é que grande parte da população não está imunizada contra essa variante, ao passo que os sorotipos 1 e 2 (DENV-1 e DENV-2) continuam em circulação ativa.
Possível coexistência dos três sorotipos
Esse alerta foi feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), em um estudo publicado no Journal of Clinical Virology. De acordo com o professor Maurício Lacerda Nogueira, da Famerp e um dos autores do trabalho, a última grande epidemia causada pelo DENV-3 ocorreu há mais de 15 anos em São José do Rio Preto, no interior paulista, enquanto os sorotipos DENV-1 e DENV-2 continuam circulando pelo país. A possível coexistência dos três sorotipos pode resultar em formas mais graves de dengue, o que já está sendo observado em São José do Rio Preto, onde a vigilância da doença ocorre de maneira intensiva há duas décadas.
Análise detalhada da evolução da dengue
A cidade tem sido um importante local para o monitoramento genômico e epidemiológico das arboviroses, como a dengue, devido ao seu clima quente e úmido, que favorece a proliferação do mosquito transmissor, o Aedes aegypti. O projeto, financiado pela FAPESP, permitiu uma análise detalhada da evolução da dengue na região.
No final de 2023, os pesquisadores começaram a observar um aumento nos casos de DENV-3 em São José do Rio Preto. Entre novembro de 2023 e novembro de 2024, 31 amostras de pacientes com sintomas típicos da dengue testaram positivo para o sorotipo 3. Segundo Lacerda, a cidade enfrentou uma epidemia de dengue entre 2023 e 2024, com o DENV-1 quase desaparecendo e o DENV-2 se tornando o agente predominante até que o DENV-3 assumisse a liderança.
O último grande surto de dengue no Brasil ocorreu em 2021, com o DENV-1. Estudos anteriores indicaram que a infecção sequencial com o DENV-3 pode resultar em quadros mais graves da doença, mas, segundo os pesquisadores de São José do Rio Preto, esse aumento de gravidade não foi observado nos pacientes monitorados localmente.
Importância da vigilância molecular
Para acompanhar a evolução do surto, os pesquisadores também sequenciaram o genoma do DENV-3 isolado de amostras de pacientes com febre aguda. O sequenciamento revelou que o vírus é da mesma linhagem identificada recentemente na Flórida, EUA, e no Caribe, sugerindo que o surto nessas regiões entre 2022 e 2024 pode ter sido responsável pela introdução e disseminação do DENV-3 no Brasil.
Esse cenário reforça a necessidade de vigilância contínua dos sorotipos circulantes da dengue, como destaca Lacerda: “A vigilância molecular e genômica é essencial para preparar e responder de forma eficiente a novos surtos da doença”, afirmou.
Transmissão da dengue
A transmissão da dengue tem sido um problema crescente em regiões tropicais e subtropicais ao redor do mundo, com a mudança climática e a expansão do Aedes aegypti contribuindo para a ampliação das áreas de risco. O Brasil, que é o país mais afetado pelas arboviroses nas Américas, enfrenta uma situação de hiperendemia para todos os sorotipos do vírus. Embora o DENV-3 tenha circulado a baixos níveis nos últimos anos, com menos de 100 casos reportados entre 2010 e 2022, o número de registros aumentou significativamente a partir de 2023, com 106 casos, e continuou crescendo em 2024, com 1.008 casos.
“Estamos observando um padrão semelhante ao que aconteceu com o SARS-CoV-2 durante a pandemia de COVID-19, quando o surgimento de uma nova variante levou a um escape da imunidade pré-existente na população, resultando em uma nova onda epidêmica. Agora, estamos vendo isso acontecer com o DENV-3”, conclui Lacerda.
O estudo completo, intitulado Early insights of dengue virus serotype 3 (DENV-3) re-emergence in São Paulo, Brazil, pode ser acessado no ScienceDirect.