A Amazônia é plural e a voz de suas populações precisa ser ouvida


Em meio a um cenário global de tensões geopolíticas e descrédito nas instituições multilaterais, a ex-ministra da Justiça da França Christiane Taubira propõe recolocar a Amazônia no centro do debate sobre justiça social e governança mundial. Suas ideias, apresentadas na 8ª Conferência FAPESP — “A Amazônia Contemporânea e os Desafios da Justiça Social” — ecoam com força neste ano em que Belém se prepara para sediar a COP30, em 2025.

Segundo a poeta, escritora e economista franco-guienense, não se deve tratar a floresta como um espaço vazio (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)

Para Taubira, repensar o papel da floresta é também repensar o multilateralismo. “A Amazônia é plural. É uma grande entidade geográfica, fragmentada em nove histórias nacionais diferentes. A floresta não é apenas uma paisagem natural, mas um espaço de vida, cultura e história”, afirmou. Segundo ela, o erro das instituições internacionais é enxergar a região como um vazio a ser preservado, e não como um território habitado e produtivo. “Fala-se em proteger o pulmão do mundo, mas as Nações Unidas a tratam como um lugar deserto, ignorando modos de vida enraizados”, criticou.

A economista e política franco-guianense citou uma frase atribuída a Nelson Mandela: “O que vocês fazem por nós sem nós, vocês fazem contra nós”. A lembrança remete a sua militância ainda em Caiena, na Guiana Francesa, quando participou da Rio-92 e se opôs à criação de um parque nacional que ocuparia 40% do território guianense. “Lutei para que não fosse chamado de parque nacional, como os da França, onde não há ninguém vivendo dentro deles. Quis garantir a preservação com respeito às comunidades locais”, relatou. O resultado foi o Parque Amazônico da Guiana, criado anos depois, conciliando conservação e permanência de populações tradicionais.

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Com uma trajetória política de quase duas décadas no Parlamento francês e cinco anos no Parlamento Europeu, Taubira é reconhecida por leis pioneiras, como a que reconhece a escravidão como crime contra a humanidade, a proibição do uso de minas terrestres e a responsabilização por testes nucleares franceses. Entre 2012 e 2016, foi ministra da Justiça no governo de François Hollande, onde liderou reformas como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o fortalecimento do combate à corrupção.

A conexão de Taubira com o Brasil se aprofundou em 2025, quando assumiu a 12ª Cátedra José Bonifácio da Universidade de São Paulo (USP). Nela, conduz a pesquisa “Sociedades amazônicas: realidades plurais, um destino comum?”, que originou o livro Amazônias: Espaço Vivo, Social, Político. A obra, lançada nesta semana, reúne textos da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, do jurista Pedro Dallari, do ex-primeiro-ministro francês Laurent Fabius, da historiadora Sophie Bessis e do antropólogo indígena Almires Martins Machado. O livro será apresentado na COP30, em Belém, com o propósito de dar visibilidade internacional às vozes da floresta.

Para Taubira, as estruturas de poder que governam o planeta estão descompassadas da realidade atual. “A governança multilateral que temos hoje é herança do mundo pós-Segunda Guerra, um clube de cerca de 60 países em um cenário de impérios. Esse modelo tornou-se impotente diante de um mundo com 195 nações”, afirmou. Segundo ela, é preciso reconstruir a arquitetura global da cooperação com base em justiça social, diversidade cultural e representatividade real.

Poeta além de política, Taubira acredita que a linguagem é um instrumento de transformação. “Quando o debate político se torna áspero, é a poesia que nos permite compreender o outro e fazer justiça social. A poesia nos convida a reconhecer que o outro carrega um pouco de nós”, refletiu. Para ela, as palavras importam não apenas pelo que dizem, mas pelo imaginário que constroem — e é esse imaginário que precisa incluir a Amazônia e seus povos na definição do futuro comum da humanidade.