O falso herói dos mares: Por que o gnl ameaça os oceanos e o futuro do Brasil?


Imagine que estamos diante de um transporte marítimo antigo, movida a carvão, e durante décadas ele navegou pelos mares, poluindo o ar e enchendo o céu de fuligem. Agora, com a promessa de mudança, substitui-se o carvão por algo aparentemente mais moderno: o gás natural liquefeito (GNL). À primeira vista, esse novo combustível parece uma vela ao vento, limpa, elegante e eficiente. Mas, na prática, ele se comporta como um maçarico invisível, aquecendo o planeta com uma intensidade que poucos percebem. O GNL, longe de ser uma vela de esperança, é uma tocha que queima silenciosamente o futuro dos oceanos.

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GNL: de energia limpa a ameaça ambiental

O GNL é promovido como uma alternativa “limpa” para a transição energética, especialmente no setor naval. No entanto, ele é composto majoritariamente por metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes já conhecidos. Embora permaneça menos tempo na atmosfera do que o dióxido de carbono (CO₂), o metano é 82 vezes mais eficiente em reter calor. É como trocar uma fogueira de lenha por um forno industrial: menos fumaça, mas com um calor muito mais concentrado.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a única rota possível para um futuro habitável passa pela eliminação dos combustíveis fósseis e por cortes drásticos nas emissões de gases. No entanto, dados do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) revelam que entre 2016 e 2023 as emissões de metano no setor marítimo aumentaram 180%, impulsionadas justamente pela adoção do GNL.

Aquecimento global

Esse aumento de emissões acelera o aquecimento global, intensifica a acidificação dos oceanos e ameaça recifes de corais e cadeias alimentares inteiras. Como resultado, milhões de brasileiros, especialmente os que dependem da pesca, podem enfrentar riscos crescentes à sua segurança alimentar. Além disso, os projetos de infraestrutura de GNL estão sendo instalados em áreas de rica biodiversidade, afetando ecossistemas sensíveis e comunidades indígenas que há séculos habitam essas regiões.

Mesmo diante dessas evidências, o Brasil continua a apostar nessa tecnologia. Navios movidos a GNL estão sendo considerados em projetos nacionais, o que contraria as projeções da Agência Internacional de Energia. Segundo essa instituição, a demanda global por gás natural deverá despencar nos próximos cinco anos, como parte do esforço global para atender às metas do Acordo de Paris. Isso significa que os investimentos atuais em GNL podem rapidamente se transformar em ativos encalhados, navios caros e tecnologicamente obsoletos navegando rumo a um horizonte sem futuro.

A metáfora do “falso herói”

A metáfora do “falso herói” se aplica bem ao GNL. Ele se apresenta como salvador dos mares, mas na verdade perpetua a dependência de fósseis, atrasa a adoção de fontes renováveis e compromete o equilíbrio climático planetário. E o custo de manter esse falso herói em operação vai muito além do financeiro: trata-se de um preço pago em biodiversidade perdida, em comunidades deslocadas e em um planeta menos habitável para as futuras gerações.

As taxas sobre emissões de carbono previstas a partir de 2028 para embarcações movidas a GNL representam mais um sinal de alerta. É como se o mundo dissesse: “Essa tecnologia tem um custo alto demais para continuar sendo ignorado”. Em vez de investir em filtros ecológicos para uma velha máquina, é hora de projetar novos navios — movidos a sol, vento e inovação brasileira.

COP30 em Belém

A realização da COP30 em Belém, no coração da Amazônia, oferece ao Brasil uma oportunidade histórica de assumir a liderança global em soluções sustentáveis. Em vez de mirar no passado com combustíveis fósseis disfarçados de verdes, podemos investir em energia eólica, solar e novas tecnologias limpas para transporte. É uma chance de virar a página e escrever um novo capítulo, onde o mar seja fonte de vida, não depósito de metano.

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Neste Dia Mundial dos Oceanos, é hora de abandonar os heróis falsos. Os oceanos merecem respeito, não promessas vazias. Eles são filtros naturais do planeta, reguladores do clima e berçários da biodiversidade. Que nossa tecnologia seja tão limpa quanto nossas intenções, e que nossos navios naveguem com o vento da mudança, não com os vapores do retrocesso.