A discussão sobre tributação da sociobioeconomia amazônica ganhou centralidade na COP30 e expôs um ponto sensível para o futuro do desenvolvimento sustentável brasileiro: o modelo fiscal ainda não reconhece o valor econômico, social e ambiental da produção que nasce dentro da floresta. Para Lígia Tatto, diretora executiva da Urucuna e líder de Presença Institucional da Associação dos Negócios de Sociobioeconomia da Amazônia – ASSOBIO, o país vive um momento raro de oportunidade política — e deixá-lo passar significaria condenar, por mais uma década, a chance de transformar a Amazônia em protagonista da nova economia verde.

Segundo ela, a razão de começar a discussão pela ponta, olhando diretamente para as comunidades, é simples: é ali que o futuro já está acontecendo. Cooperativas, agroindústrias familiares e empreendedores de base florestal desenvolvem produtos inovadores, beneficiam matéria-prima dentro do território e criam soluções que unem saber tradicional e tecnologia contemporânea. Tudo isso, porém, sustentado por muito esforço e poucas condições. Na prática, o sistema tributário brasileiro trata os negócios da sociobioeconomia como se fossem iguais a grandes cadeias industriais de alto impacto ambiental — e esse é o ponto que precisa ser mudado, com urgência.
Para Lígia, a escala só virá quando houver justiça tributária. Hoje, empreendedores que mantêm a floresta em pé competem com sistemas produtivos que operam em larga escala, infraestrutura consolidada e incentivos fiscais voltados para modelos econômicos tradicionais. A sociobioeconomia carrega custos mais elevados, enfrenta logística complexa e, ainda assim, não encontra no Estado um reconhecimento que traduza sua função social e ambiental em vantagens competitivas.
É nesse contexto que entra a importância da Nomenclatura Comum do Mercosul. A forma como os códigos NCM são definidos determina o enquadramento tributário de cada produto. Hoje, muitos itens da sociobioeconomia são classificados da mesma forma que produtos industriais sem vínculo territorial, ambiental ou cultural. Para Lígia, a mudança no NCM permitiria, pela primeira vez, que o Estado criasse regras específicas para produtos originados de cadeias amazônicas, valorizando impacto positivo, rastreabilidade e origem comunitária. Essa diferenciação abriria caminho para políticas fiscais alinhadas à realidade da floresta — e não copiadas de modelos produtivos que historicamente contribuíram para sua destruição.

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A proposta apresentada pela ASSOBIO é clara: um crédito presumido de até 90% para produtos industrializados no Pará. O objetivo é gerar competitividade real, estimular a verticalização dentro da Amazônia e atrair investimentos capazes de expandir mercados. A lógica é a mesma que orienta outros setores atrativos fiscalmente, como o frigorífico: quando o incentivo é aplicado de forma estratégica, a indústria cresce, se moderniza e gera empregos. A diferença, neste caso, é que a contrapartida econômica viria acompanhada de conservação ambiental.
O debate chegou ao centro das discussões pós-COP30 porque há urgência. Nunca houve tanta atenção internacional voltada à Amazônia, e essa visibilidade abre uma janela política que não permanecerá aberta por muito tempo. Para Lígia, ou o Brasil cria agora mecanismos concretos de estímulo ou repetirá erros do passado, desperdiçando um potencial que já se mostra vivo, pulsante e economicamente promissor.
Os números da sociobioeconomia organizada pelas comunidades revelam um horizonte possível. Os 126 empreendimentos associados à ASSOBIO já movimentam mais de 52 milhões de reais por ano, geram mais de mil empregos diretos e impactam positivamente mais de 70 mil pessoas. São negócios que criam renda local, mantêm florestas em pé e ampliam cadeias produtivas sustentáveis. Para ela, uma política tributária justa teria efeito multiplicador: dobraria, talvez triplicaria esse impacto — e transformaria a bioeconomia de promessa em motor econômico real.
Mas o caminho não depende apenas de incentivos. Depende, também, de uma mudança de percepção nacional. Pesquisa recente da ASSOBIO mostra que 65% dos brasileiros nunca conheceram a Amazônia e apenas 34% sabem o que é bioeconomia. Ainda assim, mais de 80% acreditam que é possível gerar riqueza sem destruir a floresta. É uma base social favorável, mas ainda distante da formulação de políticas públicas.
Nesse cenário, a tributação assume um papel pedagógico: mostrar, de forma concreta, que a floresta viva é economicamente vantajosa. Um sistema fiscal que reconheça o impacto socioambiental de cada produto ajuda consumidores a entenderem seu valor, fortalece negócios de base comunitária e reposiciona a Amazônia no centro das decisões econômicas do país.
Para a ASSOBIO, o novo arcabouço tributário estadual pode marcar um divisor de águas. Se o Pará consolidar um modelo diferenciado, alinhado à reformulação do NCM, criará um ecossistema permanente de estímulo, permitindo que a sociobioeconomia deixe de ser exceção e se torne regra. É a chance de transformar a Amazônia em protagonista de um desenvolvimento sustentável que interessa ao Brasil e ao mundo.
Em suas palavras, o primeiro passo é simples, mas decisivo: reconhecer quem já está produzindo riqueza com a floresta viva. Enxergar as comunidades, ajustar a tributação e construir um caminho sólido para uma economia que respeite sua origem. O movimento começou na COP30, mas seu desfecho dependerá da coragem política de transformar oportunidades em política de Estado.


















































