Por trás da promessa de sustentabilidade, uma série de incêndios, violações ambientais e comunidades em alerta expõem as contradições da expansão de usinas de pellets no coração da Califórnia.

Plano da Drax: controvérsias
Por décadas, as florestas da Califórnia têm sido vistas tanto como um símbolo natural de beleza quanto como um terreno fértil para incêndios devastadores. Agora, uma nova ameaça se desenha: não a de incêndios espontâneos, mas a das próprias instalações construídas para, teoricamente, preveni-los. A empresa britânica Drax, gigante global em biomassa, está em meio a uma controvérsia crescente após anunciar planos para construir duas usinas de pellets no estado, apesar do histórico de incêndios que acompanha esse tipo de empreendimento.

Desde 2010, ao menos 52 incêndios foram registrados em instalações de pellets nos Estados Unidos, segundo o Southern Environmental Law Center. Entre as 15 maiores fábricas, oito registraram explosões ou incêndios apenas desde 2014. Os casos incluem um incêndio em 2021 na unidade da Drax em Port Allen, Louisiana, e a combustão espontânea de pellets armazenados no Reino Unido, que mobilizou 40 bombeiros por mais de 12 horas.
O plano da Drax, agora em conjunto com a organização californiana Golden State Natural Resources (GSNR), prevê a instalação de usinas nos condados de Tuolumne e Lassen, regiões historicamente marcadas por incêndios florestais severos. A proposta sugere que a extração de madeira morta e resíduos florestais de áreas próximas seria usada na produção de pellets, como forma de reduzir o risco de queimadas. No entanto, moradores e especialistas alertam: essa lógica pode ser não só falha, mas perigosa.
Comunidades alarmadas e comunicação falha
Megan Fiske, professora local que trabalha com trabalhadores florestais, destaca que muitos moradores nem sequer foram informados sobre os projetos. “Pessoas que vivem a menos de 30 metros do local proposto para a planta não tinham ideia”, afirma. A GSNR, embora afirme manter diálogo com a população, enfrenta críticas por falta de transparência e inclusão real no processo.
A comunidade também teme pelos riscos operacionais. O processo de produção de pellets envolve moagem e secagem de madeira, gerando poeira altamente inflamável. Com histórico de incêndios, explosões e emissões tóxicas, muitos questionam se essas usinas podem mesmo coexistir com as florestas que dizem proteger.
Promessas verdes sob suspeita
Drax e GSNR defendem o projeto com base em uma lógica de “resiliência contra incêndios”: a remoção controlada de biomassa para prevenir a propagação do fogo. A empresa cita a chamada Tamm Review, estudo que sugere que o desbaste florestal combinado com queimadas prescritas pode reduzir a severidade dos incêndios em até 72%.
Mas a comunidade científica está dividida. O ecologista florestal Dominick DellaSala acusa os autores da Tamm Review de ignorarem mais de 30 estudos com resultados opostos. Para ele, o argumento tem base estreita e ignora danos colaterais ao ecossistema. “A floresta deixa de ser floresta”, alerta. Já a pesquisadora Kim Davis, autora principal da revisão, defende a solidez metodológica do trabalho.

Impactos além das florestas
Enquanto os argumentos técnicos se acumulam, o impacto social do projeto começa a se evidenciar. Em Stockton, cidade portuária a cerca de 160 km das plantas planejadas, a comunidade da Little Manila Rising denuncia a proposta de construção de uma central de exportação de pellets como mais uma injustiça ambiental. “Eles contam com o silêncio de comunidades marginalizadas. Não vamos permitir”, diz Gloria Alonso Cruz, coordenadora local de justiça ambiental.
A crítica vai além da poluição e dos riscos locais. Organizações ambientalistas apontam que a exportação de pellets para Europa e Ásia, onde são subsidiados como “energia renovável”, baseia-se em uma contabilidade de carbono controversa: considera-se que novas árvores absorverão o CO₂ emitido pela queima dos pellets, mas estudos mostram que isso pode levar até um século. Um grupo de 772 cientistas, em carta ao Parlamento Europeu, alertou: “Substituir fósseis por madeira pode resultar em até três vezes mais carbono na atmosfera até 2050”.
Um histórico preocupante
A imagem da Drax como empresa confiável em práticas sustentáveis também tem sofrido reveses. Em 2024, o regulador britânico Ofgem multou a companhia em US$ 25 milhões por relatórios enganosos. Nos EUA, registros apontam mais de 11 mil violações ambientais por parte da empresa, segundo levantamento do Land and Climate Review. Em outro caso, a BBC revelou que a Drax usou madeira de florestas primárias canadenses, áreas com árvores que demoram milênios para se regenerar.
Uma solução que pode piorar o problema
A crítica central de ambientalistas, moradores e especialistas é que o projeto da Drax e GSNR pode acabar intensificando o risco que pretende mitigar. Retirar árvores saudáveis, especialmente as grandes, que servem de barreira contra ventos, pode deixar o sub-bosque mais seco e ventilado, facilitando a propagação de chamas. “É como abrir a portinhola de um fogão a lenha”, resume DellaSala.
Com as preocupações se acumulando, o projeto aguarda agora decisões cruciais. A liberação depende de relatórios ambientais e da aprovação de autoridades locais. A proposta inicial prevê o tratamento de mais de 85 mil acres de floresta por ano, totalizando uma área que, ao longo de 20 anos, seria equivalente a uma faixa de um quilômetro de largura cruzando os EUA de Sacramento a Boston.
Mas a população tem deixado claro: a crise climática exige ações urgentes e também responsabilidade, transparência e justiça ambiental. Como resume Renee Orth, moradora de Tuolumne: “Isso é greenwashing do começo ao fim”.














































