A transformação do uso do solo pela agricultura é uma das principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, intensificando as mudanças climáticas. No entanto, como plantas e solos armazenam carbono, práticas agrícolas adequadas podem ser uma solução eficaz na mitigação dessas mudanças. O conceito de agricultura inteligente em termos climáticos, ou climate-smart agriculture, surgiu em 2009, durante um evento da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), e visa integrar práticas agrícolas com estratégias de adaptação e mitigação dos impactos climáticos.
Uso adequado do solo
Em palestra realizada no dia 10 de dezembro durante a Escola Interdisciplinar FAPESP 2024, Sylvie Brouder, diretora do Center for Global Food Security da Purdue University, dos Estados Unidos, abordou a relação entre a agricultura e o clima. Ela destacou que, embora a agricultura sempre tenha sido influenciada pelas condições climáticas, o conceito de agricultura inteligente em termos climáticos traz um novo enfoque para o setor. “A agricultura sempre dependeu do clima, mas agora, com as mudanças climáticas, é essencial que ela se adapte e também contribua para mitigação”, afirmou Brouder. A palestra foi mediada por Ciro Rosolem, professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (FCA-Unesp).
Brouder ressaltou que a climate-smart agriculture não é algo fundamentalmente novo em relação ao que já era chamado de conservation agriculture ou agricultura de baixo carbono, como é conhecida no Brasil. Para ela, a mudança de terminologia surgiu como uma estratégia para atrair mais investimentos para as pesquisas agrícolas, especialmente nos Estados Unidos, onde o financiamento à agricultura é mais restrito em comparação a outras áreas.
A pesquisadora também apresentou dados de estudos sobre mudanças climáticas, evidenciando que, em 2015, a maioria das publicações científicas abordava biologia, geofísica e meteorologia, e raramente a agricultura era considerada, mesmo sendo uma das áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas.
O Desafio do Nitrogênio na Agricultura
Outro tema abordado por Brouder foi o impacto do uso do nitrogênio na agricultura. Embora seja um nutriente essencial para as plantas, o excesso de nitrogênio nos solos pode gerar emissões de óxido nitroso, um dos gases de efeito estufa mais prejudiciais. Ela explicou que muitos agricultores, especialmente nos Estados Unidos, aplicam fertilizantes em excesso, movidos pela preocupação de aumentar a produtividade e garantir boas colheitas. No entanto, essa prática resulta em problemas econômicos e ambientais, como gastos elevados com fertilizantes e poluição das águas.
“É fundamental controlar a quantidade de nitrogênio, fósforo e enxofre no solo. Se as doses não forem adequadas, os impactos podem ser negativos, gerando emissões e comprometendo a qualidade da água”, alertou a pesquisadora. Ela destacou que a região dos Estados Unidos conhecida como Cinturão do Milho é uma das maiores emissoras de óxido nitroso devido ao uso excessivo de fertilizantes nitrogenados.
Brouder também mencionou que esse comportamento é enraizado culturalmente, pois muitos agricultores seguem a tradição da aplicação abundante de fertilizantes, acreditando que isso resultará em colheitas mais produtivas. Além disso, os fertilizantes nitrogenados, até recentemente, eram relativamente baratos, o que incentivava esse uso em excesso.
Essa mentalidade remonta à Revolução Verde, um conjunto de inovações agrícolas após a Segunda Guerra Mundial, que aumentou significativamente a produtividade das culturas. Brouder lembrou que a Revolução Verde envolveu não só inovações genéticas e de sementes, mas também melhorias em infraestrutura, irrigação, maquinário e o uso de fertilizantes químicos, que agora são vistos como uma consequência indesejada dessa era de aumento de produtividade.
Apesar dos avanços, a Revolução Verde não beneficiou todos os agricultores de forma igual, o que levou ao surgimento da preocupação com a segurança alimentar nos anos 1980. Hoje, esse desafio é ampliado pelos efeitos das mudanças climáticas, que impactam diretamente a produção de alimentos, com a escassez de água, mudanças nos padrões de chuvas e o aumento das temperaturas médias, tornando ainda mais difícil garantir a segurança alimentar em escala global.