Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma grave questão relacionada à arrecadação de royalties minerais, com perdas bilionárias que afetam diretamente estados e municípios mineradores. A auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que a mineradora Vale deixou de pagar aproximadamente R$ 2,86 bilhões em Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) entre 2017 e 2021, tornando-se a empresa mais beneficiada pela decadência e prescrição de créditos. Esses recursos deveriam ter sido distribuídos entre estados e municípios para compensar a exploração de seus recursos naturais, mas a ineficiência na fiscalização e a falta de estrutura da Agência Nacional de Mineração (ANM) permitiram que a maior parte desse montante ficasse sem cobrança.
O Sistema de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem)
A Cfem é uma compensação financeira que deve ser paga por mineradoras que exploram recursos minerais no Brasil. A arrecadação da Cfem é distribuída em uma divisão de 90% para estados e municípios onde ocorrem as atividades de mineração e 10% para a União. No entanto, esse sistema, que em teoria deveria trazer desenvolvimento às regiões impactadas pela exploração mineral, está falhando devido à ausência de um controle efetivo.
De acordo com a legislação brasileira, as mineradoras têm a obrigação de calcular e recolher espontaneamente os valores da Cfem. A ANM é responsável por auditar e verificar se os valores recolhidos estão corretos. No entanto, a auditoria do TCU apontou que a ANM não tem sido eficaz na fiscalização desses valores. Entre 2017 e 2021, foram registrados R$ 26,5 bilhões de encargos financeiros relacionados à Cfem, mas grande parte desse montante não foi recolhido ou caiu em decadência.
Decadência e Prescrição: O Benefício Bilionário da Vale
A decadência ocorre quando um crédito não é cobrado dentro de um prazo de dez anos a partir do momento em que a obrigação de pagamento surge. Após esse período, o crédito é considerado decaído e a mineradora não pode mais ser cobrada por ele. A prescrição, por outro lado, refere-se à perda do direito de cobrar um crédito já constituído após cinco anos sem que haja providências para sua inscrição em dívida ativa ou cobrança judicial. O relatório do TCU destaca que essas duas falhas no sistema de cobrança beneficiaram diretamente a Vale, que deixou de pagar R$ 2,86 bilhões, valor que deveria ter sido destinado principalmente aos estados e municípios afetados pela atividade mineradora.
O Pará, maior produtor mineral do Brasil, foi um dos estados mais prejudicados por essa situação. Municípios como Parauapebas, um dos principais centros de produção mineral do país, deixaram de receber valores significativos. Estima-se que o município tenha perdido mais de R$ 200 milhões em royalties que jamais foram cobrados devido à prescrição dos créditos. Isso representa uma grande perda de recursos que poderiam ter sido utilizados para infraestrutura, saúde e educação na região. Fonte Agência Brasil
A Crise na Fiscalização: A Situação da ANM
A Agência Nacional de Mineração (ANM), criada para regular e fiscalizar a atividade mineradora no Brasil, tem enfrentado graves dificuldades para desempenhar suas funções. O TCU constatou que a ANM sofre com a falta de recursos, ferramentas tecnológicas e pessoal qualificado. Em 2022, apenas 17 empresas foram fiscalizadas pela agência, um número ínfimo em relação ao total de mineradoras operando no país.
O problema não é recente. Desde 2018, o TCU e a Controladoria-Geral da União (CGU) apontam falhas na fiscalização da ANM. A CGU revelou que a ANM tem realizado fiscalizações sem planejamento adequado e com sistemas de informação insuficientes. Esses fatores contribuem para que um percentual significativo de royalties devidos não seja pago. Entre 2014 e 2021, estima-se que R$ 12,4 bilhões deixaram de ser arrecadados com a Cfem devido à sonegação e à falta de fiscalização efetiva.
A ANM reconheceu, em resposta ao TCU, que precisaria de pelo menos mais 200 servidores para atender à demanda de fiscalização. No entanto, atualmente, a equipe responsável por essa tarefa conta com apenas quatro servidores e um chefe. A agência também admitiu que seus sistemas de controle são deficientes, não permitindo o acompanhamento da produção real das mineradoras.
A Sonegação Sistêmica e as Consequências para o Pará
O Pará é o estado brasileiro mais afetado pela falta de arrecadação de royalties minerais, sendo responsável por grande parte da produção nacional. A cidade de Parauapebas, que abriga o maior projeto minerador da Vale, o complexo de Carajás, é um exemplo claro de como a sonegação de royalties afeta diretamente o desenvolvimento local. Parauapebas é uma das cidades mais prejudicadas pela decadência e prescrição dos créditos da Cfem, perdendo recursos que poderiam ser investidos na melhoria de serviços públicos essenciais.
Além de Parauapebas, outros municípios mineradores como Canaã dos Carajás e Marabá também sofrem com a perda desses recursos. A ausência de fiscalização adequada e a demora na cobrança de royalties criam um ciclo de prejuízo para essas cidades, que dependem da Cfem para compensar os impactos negativos da mineração em suas regiões, como a degradação ambiental e a pressão sobre a infraestrutura urbana.
As Propostas para Reverter o Cenário
Diante do relatório do TCU, várias medidas foram propostas para reverter o cenário de perdas bilionárias e melhorar a arrecadação da Cfem. Entre as principais recomendações, está o fortalecimento da estrutura da ANM, com a contratação de mais servidores e a modernização dos sistemas de controle. O TCU também sugere que parte dos recursos arrecadados com a Cfem seja direcionada para a própria ANM, a fim de garantir que a agência tenha capacidade técnica e operacional para fiscalizar adequadamente as mineradoras.
Outra proposta é a criação de um sistema informatizado de suporte à fiscalização, que permita acompanhar em tempo real a produção das mineradoras e calcular os valores devidos de royalties de forma mais precisa. Atualmente, a ANM depende de informações fornecidas pelas próprias mineradoras, o que abre brechas para a sonegação e o pagamento incorreto dos royalties.
Além disso, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as maiores mineradoras do país, também se manifestou em defesa do fortalecimento da ANM. A entidade destacou a importância de recompor o quadro de funcionários da agência e garantir que os 7% da Cfem destinados à ANM sejam efetivamente utilizados para o fortalecimento da fiscalização.
O Futuro da Mineração no Brasil
A mineração é uma atividade crucial para a economia brasileira, representando entre 2,5% e 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
No entanto, a falta de arrecadação de royalties mostra que a atividade não está sendo gerida de maneira a maximizar seus benefícios para as regiões impactadas. Estados como o Pará, que dependem fortemente da mineração, estão sendo particularmente prejudicados pela ausência de uma fiscalização eficaz e pela perda de recursos bilionários.
Se medidas eficazes não forem tomadas para melhorar a fiscalização e garantir que os royalties sejam devidamente recolhidos, o Brasil continuará a perder bilhões de reais que poderiam ser usados para promover o desenvolvimento regional. O fortalecimento da ANM e a modernização dos sistemas de controle são passos fundamentais para reverter esse cenário e garantir que a exploração dos recursos naturais seja feita de maneira justa e transparente.
O caso da Vale e a perda de R$ 2,86 bilhões em royalties minerais expõe uma falha sistêmica na arrecadação e fiscalização da Cfem no Brasil. A situação afeta diretamente estados mineradores como o Pará, que dependem desses recursos para compensar os impactos da mineração. O fortalecimento da ANM e a modernização dos sistemas de controle são essenciais para evitar que mais recursos sejam perdidos no futuro e para garantir que a mineração continue a ser uma atividade economicamente viável e socialmente responsável no Brasil.