No coração do centro histórico do Rio de Janeiro, entre a imponente Igreja da Candelária e o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), centenas de pessoas se reuniram para um ato que mistura espiritualidade, cultura e ativismo ambiental: a Vigília pela Terra. Realizada no último sábado (30), a iniciativa integra uma série de encontros inter-religiosos que percorrem o Brasil em preparação para a COP30, conferência global sobre mudanças climáticas marcada para novembro, em Belém.

O cenário não poderia ser mais simbólico: um amplo gramado cercado por ícones da fé e da cultura, onde vozes de diferentes tradições se uniram para ecoar uma mensagem comum — é urgente frear o aquecimento global. A vigília, organizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), não se limitou a discursos. Música, dança e gastronomia fizeram parte da programação, criando um ambiente de celebração, mas também de reflexão coletiva sobre o papel das religiões na luta pela preservação da Terra.
Fé e meio ambiente de mãos dadas
A diretora-executiva do ISER, Ana Carolina Evangelista, ressaltou que a vigília busca mostrar que grupos de fé têm raízes históricas de cuidado com a natureza, a “casa comum”. “Os livros sagrados, as tradições espirituais e os rituais sempre carregaram mensagens de proteção à vida e ao equilíbrio do planeta. Reunir essas vozes é dar força a uma aliança que pode sensibilizar a sociedade muito além dos limites das igrejas ou templos”, afirmou.
Ela destacou ainda outro ponto sensível: o combate ao negacionismo climático. “Estamos em 2025 e ainda convivemos com forças políticas e econômicas contrárias à proteção ambiental. A vigília é também um espaço para enfrentar esse cenário”, disse.
Uma jornada nacional
A série de Vigílias pela Terra foi pensada para percorrer todas as regiões do Brasil. A primeira ocorreu em Brasília, em abril, seguida por Porto Alegre, em maio. Depois do Rio de Janeiro, o circuito passará por Manaus e Natal, em setembro, e por Recife, em outubro. O ápice acontecerá em Belém, sede da COP30, no dia 13 de novembro.
A ideia, explica Ana Carolina, é descentralizar a mobilização. “Selecionamos capitais estratégicas para valorizar o que as lideranças religiosas locais já fazem em prol do meio ambiente. Cada vigília é um encontro plural, que amplia o debate e mostra que a luta pela Terra é de todos”, disse.
Essa capilaridade é um ponto central. Não se trata apenas de preparar o terreno para a COP30, mas de criar uma rede de diálogo em que espiritualidade e consciência ambiental se reforcem mutuamente.

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Tradições ancestrais em sintonia
O babalaô Ivanir dos Santos, conselheiro do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), lembrou que religiões de matriz africana têm no respeito à natureza um de seus fundamentos centrais. “Terra, água e fogo são elementos sagrados. Quando estão em equilíbrio, a vida floresce; quando há desequilíbrio, todos sofremos. É por isso que nossas tradições são as primeiras a se preocupar com os impactos ambientais”, disse.
Segundo ele, a espiritualidade ensina que os recursos naturais podem ser utilizados, mas sem ganância e sem ultrapassar os limites do necessário. “Quando a natureza deixa de ser vista como sagrada, passa a ser explorada sem limites. Se não houver equilíbrio, não é só o planeta que desaparece, somos nós também.”
Música, dança e mensagem universal
Além dos discursos, a vigília trouxe performances culturais que ajudaram a traduzir em arte a mensagem do evento. Maria Lalla Cy Aché, do grupo Danças da Paz Universal, participou de uma apresentação que ela chama de “dança meditativa”. Para ela, dançar e cantar em grupo é uma forma de espalhar energia positiva. “Nossa prática é cantar, dançar e tocar instrumentos como uma maneira de transmitir pensamentos edificantes. É um convite para repensar o mundo, para imaginar um futuro mais justo, amoroso e fraterno”, contou.
Esse caráter plural foi um dos pontos mais ressaltados pelos organizadores. O evento não se restringiu a religiões específicas: incluiu católicos, evangélicos, espíritas, tradições afro-brasileiras, budistas e também acolheu quem não tem religião, mas compartilha a preocupação ambiental.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 90% da população brasileira declara ter algum tipo de fé. Para Ivanir dos Santos, essa característica faz do Brasil um terreno fértil para articular a defesa ambiental a partir da espiritualidade. “Somos um país profundamente religioso, não apenas cristão. É justamente essa diversidade de crenças que pode se unir na defesa da vida”, afirmou.
Assim, a Vigília pela Terra se insere em uma tradição iniciada no Rio de Janeiro em 1992, durante a Rio-92, quando líderes como Dalai Lama, Dom Helder Câmara e Mãe Beata de Iemanjá reuniram milhares de pessoas em torno do mesmo propósito. Hoje, em 2025, o desafio é ainda maior: conter o aquecimento global e assegurar justiça climática para as populações mais vulneráveis.
As vigílias, ao unir fé, cultura e ciência, pretendem lembrar que a defesa do planeta não é apenas uma pauta técnica ou política, mas também espiritual, ética e coletiva.


































