Assassinatos de defensores ambientais expõem vulnerabilidade na América Latina


O ano de 2024 registrou mais uma vez um cenário sombrio para aqueles que dedicam suas vidas à defesa do meio ambiente. Segundo relatório publicado em setembro pela Global Witness, ao menos 142 ativistas ambientais foram assassinados ao redor do mundo, além de quatro desaparecimentos que permanecem sem resposta. A estatística reforça uma tendência que se arrasta há mais de uma década: a América Latina segue como a região mais perigosa para defensores da terra e da natureza, concentrando 82% dos crimes.

Foto: Janduari Simões/Folhapress)

Entre os países com mais mortes, a Colômbia lidera com 48 casos, seguida por Guatemala (20) e México (18). O Brasil ocupa a quarta posição, com 12 assassinatos. Apesar de o número representar uma queda em relação a 2023, o país segue entre os mais letais para ambientalistas.

Brasil: menos assassinatos, mais ameaças

A violência no campo brasileiro não se restringe às mortes. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que, em 2024, embora os homicídios tenham diminuído, os episódios de intimidação aumentaram. Foram 481 tentativas de assassinato documentadas, das quais 44% tiveram como alvo povos indígenas e 27% atingiram comunidades quilombolas. A CPT alerta que o quadro revela uma escalada nas formas de ameaça e repressão, com impacto direto sobre os modos de vida de grupos historicamente vulnerabilizados.

Esses ataques não surgem no vazio. O avanço da mineração, da exploração madeireira, da agroindústria e de grandes projetos de infraestrutura, movidos pela demanda internacional por commodities, amplia a pressão sobre territórios tradicionais. Muitas vezes, comunidades afetadas não são consultadas nem recebem compensações adequadas, em flagrante desrespeito ao princípio do consentimento livre, prévio e informado estabelecido em convenções internacionais.

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A geografia da violência

Os dados da Global Witness e da CPT convergem em um ponto: a violência não é difusa, mas direcionada. A maioria das vítimas era indígena ou agricultor familiar, atuava contra atividades predatórias e defendia alternativas sustentáveis. Em diversos casos, os ataques foram atribuídos a grupos criminosos organizados ou às próprias forças de segurança estatais.

Esse cenário revela um paradoxo: em nome do “desenvolvimento”, projetos de exploração avançam sem garantias sociais e ambientais mínimas, ao passo que aqueles que tentam conter os impactos acabam expostos a um risco de morte que, em países democráticos, deveria ser impensável.

Avanços normativos, implementação tímida

Nos últimos anos, surgiram instrumentos legais que poderiam ampliar a proteção de defensores ambientais. A União Europeia aprovou uma diretiva de sustentabilidade empresarial, e as Nações Unidas avançam no debate sobre um Tratado Vinculante sobre Empresas e Direitos Humanos. No plano regional, o Acordo de Escazú estabelece compromissos para assegurar a participação social em questões ambientais e proteger lideranças ameaçadas.

Há ainda a Declaração da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, que reconhece explicitamente a importância dessas pessoas. No entanto, o desafio está em transformar normas em prática. Em muitos países, inclusive no Brasil, a implementação é lenta, enfrenta resistência de grandes corporações e carece de vontade política.

A batalha pela proteção

A persistência da violência contra defensores ambientais mostra que não basta celebrar quedas pontuais nos números de assassinatos. A verdadeira medida da segurança está na criação de mecanismos eficazes de prevenção, investigação e punição. Sem isso, os agressores permanecem na impunidade, incentivando novos ataques.

O Brasil, por exemplo, possui programas de proteção a defensores de direitos humanos, mas eles ainda são insuficientes frente à complexidade dos conflitos no campo. A presença de facções criminosas, o peso econômico do agronegócio e os interesses de mineração e infraestrutura criam um campo de forças que fragiliza qualquer política pública mal estruturada.

O relatório da Global Witness não se limita a contar vítimas. Ele lança um alerta sobre o custo humano da crise ambiental e climática. Defender a floresta, o rio ou a terra tornou-se, em muitos lugares, uma sentença de risco de morte. Se o planeta precisa desesperadamente de pessoas dispostas a enfrentar a degradação ambiental, o mínimo que a sociedade deve garantir a essas lideranças é a possibilidade de viver em segurança.

Enquanto governos adiam medidas estruturais e empresas seguem expandindo seus negócios sem considerar os impactos sociais, os defensores ambientais continuam na linha de frente e, infelizmente, no alvo da violência.