Amazônia encurralada: como a falta de infraestrutura ameaça o futuro da Zona Franca de Manaus

Enquanto a BR-319 segue sem avanços e os rios enfrentam secas históricas, indústrias da Zona Franca denunciam o abandono logístico da região. Com altos custos, gargalos e competitividade ameaçada, o maior polo industrial do Norte do Brasil corre risco de colapso.


 No coração da Amazônia, onde mais de 530 fábricas movimentaram mais de R$ 200 bilhões em 2024, a Zona Franca de Manaus (ZFM) sobrevive sob condições logísticas críticas. A falta de infraestrutura, agravada por secas severas e ausência de investimentos federais estratégicos, tem gerado impactos alarmantes para a indústria, que representa mais de 7% do PIB industrial do país e emprega mais de 100 mil pessoas diretamente.

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A reportagem do Correio Braziliense, publicada nesta segunda-feira (16/06), denuncia que, mesmo com esse peso econômico, a ZFM permanece isolada, seja por rodovias inacabadas como a BR-319, seja pelo descaso em relação à navegabilidade dos rios, sua principal via de escoamento.

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Uma estrada que nunca chega

O drama logístico da Amazônia tem nome: BR-319. Ligando Manaus a Porto Velho (RO), a rodovia é a única conexão terrestre da capital amazonense com o restante do Brasil. Porém, seu estado é de abandono há décadas. Apesar de ser estratégica para o país, os trechos críticos continuam sem pavimentação, bloqueando não só o transporte de insumos e mercadorias, mas também o próprio direito de ir e vir da população local.

Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), dragagens emergenciais têm sido realizadas nos rios Amazonas e Madeira, mas essas ações paliativas não resolvem o problema de fundo. “Durante a seca histórica de 2023 e 2024, muitas indústrias chegaram a paralisar parcialmente por falta de insumos”, afirmou à reportagem o presidente da Federação das Indústrias do Amazonas (FIEAM), Antonio Silva.

Navegar para sobreviver

Sem a BR-319, a logística da ZFM depende majoritariamente de transportes fluviais e cabotagem (transporte marítimo entre portos do mesmo país). O trajeto, que nos anos 1970 era feito em três dias, hoje exige até 28 dias, passando por Belém e embarcando em navios com destino ao Sul e Sudeste do Brasil. O custo? Três vezes superior ao transporte por terra no Sudeste.

A malha logística reduzida não é apenas um desafio técnico, é um fator limitante ao crescimento. “Uma geladeira produzida em Manaus, com destino a São Paulo, sai da fábrica, vai de balsa até Belém, embarca num navio, desce o litoral e chega ao consumidor com preço maior que o similar chinês”, explica Augusto Rocha, coordenador de logística do CIEAM.

Para ele, o grande problema é político: “Durante as audiências públicas do Plano Nacional de Logística, sequer citaram a Amazônia. É como se não existíssemos. Precisamos de 2,5% do PIB em investimentos. Recebemos menos de 0,2%”.

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Fonte: Poder 360

O colapso da competitividade

A situação preocupa todo o setor industrial da Amazônia Ocidental. Com cadeias produtivas dependentes de componentes importados e insumos que vêm do Sul e Sudeste, qualquer atraso ou aumento no custo logístico compromete a rentabilidade das empresas.

O coordenador da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Ricardo Vale, alerta para o risco de desindustrialização: “A ZFM nasceu com a proposta de equilibrar o desenvolvimento regional. Mas hoje, com o frete altíssimo, o diferencial competitivo se perde”.

Estudos do setor indicam que produtos feitos na ZFM chegam ao consumidor final até 30% mais caros por conta da logística. Empresas de eletroeletrônicos, bicicletas, motocicletas e fármacos já consideram a possibilidade de migração para outras regiões.

Secas extremas e emergências invisíveis

O colapso logístico se agravou com os eventos climáticos dos últimos anos. Em 2023, o rio Negro atingiu o menor nível da história. Em 2024, a estiagem voltou ainda mais severa, dificultando a navegação até mesmo para embarcações de médio porte. Sem alternativas, fábricas reduziram turnos e enfrentaram estoques represados.

“Há momentos em que simplesmente não conseguimos operar. Mesmo com o produto pronto, não há como entregar. É como fabricar para ninguém”, diz Silva, da FIEAM.

Em muitos casos, caminhões chegam a rodar 280 km apenas para completar um trecho com balsas, que operam com baixos níveis d’água. “É uma solução precária, cara e ambientalmente insustentável”, acrescenta.

A promessa (não cumprida) da BR-319

A recuperação da BR-319 é constantemente anunciada — e paralisada. O trecho central de cerca de 400 km permanece sem licença ambiental definitiva. Grupos ambientalistas alertam para riscos ao bioma amazônico. Já os empresários afirmam que é possível conciliar desenvolvimento com conservação.

“Com tecnologia, é possível construir uma estrada sustentável. O que falta é vontade política”, argumenta o engenheiro civil Henrique Vasques, que já trabalhou em obras no trecho inicial da rodovia.

A BR-319 permitiria reduzir o tempo de transporte para menos da metade e cortar os custos em até 40%. Além disso, integraria o Brasil amazônico ao resto do país, estimulando turismo, exportações e circulação de pessoas.

Propostas para o futuro

Diante do impasse, lideranças locais propõem ações concretas:

  • Criação de um corredor logístico interestadual, ligando Manaus a portos como Belém, Santos e Suape, com incentivos à navegação interiorana.
  • Inclusão da BR-319 como prioridade absoluta no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
  • Redução da burocracia para licenciamentos ambientais sustentáveis.
  • Subsídios ou isenções fiscais para empresas que operam na região, compensando o custo do frete.
  • Criação de polos logísticos intermodais em Itacoatiara e Porto Velho.

Enquanto isso, indústrias testam novas rotas com drones, transporte ferroviário em fase experimental e integração de inteligência logística para reduzir perdas.

Um modelo ameaçado

A Zona Franca de Manaus é frequentemente criticada por setores do Sul e Sudeste como um modelo ultrapassado. Mas os dados mostram o contrário: o polo é responsável por cerca de 80% da arrecadação do estado do Amazonas, além de injetar bilhões na balança comercial do país.

O que está em risco não é apenas um modelo de desenvolvimento, mas a sobrevivência de centenas de comunidades urbanas e ribeirinhas que dependem da ZFM para gerar emprego e sustento.

A ausência de políticas públicas adequadas sinaliza não só negligência logística, mas desigualdade federativa. Como resume Augusto Rocha, do CIEAM: “O Brasil precisa decidir se quer a Amazônia integrada ou apenas como cenário para propaganda ambiental. Sem logística, não há desenvolvimento. Só isolamento.”