Por que está aumentando a incidência de furacões nos EUA? Análise das mudanças climáticas e o crescimento da frequência de desastres

Autor: Redação Revista Amazônia

 

Nos últimos anos, os Estados Unidos têm enfrentado um aumento alarmante na incidência de furacões, com um período cada vez mais curto entre eles. O que antes era um fenômeno esporádico e previsível durante a temporada de furacões no Atlântico se tornou uma ameaça constante, com tempestades de alta intensidade e maior capacidade destrutiva surgindo em intervalos muito menores. O furacão Helene, que passou pelo Atlântico em 2018, foi apenas um dos muitos que prenunciavam a chegada de uma nova era de furacões. No entanto, o impacto de furacões mais recentes, como os de 2023 e 2024, incluindo a tempestade mais recente que causou prejuízos massivos, deixa claro que estamos diante de uma nova normalidade.

Este aumento na frequência e intensidade dos furacões pode ser diretamente atribuído às mudanças climáticas, uma crise que está se acelerando, enquanto medidas eficazes para frear seus efeitos são deixadas de lado ou simplesmente ignoradas. Embora o consenso científico sobre o impacto humano no aquecimento global seja claro, o que está em jogo agora é a crescente ameaça que essas mudanças trazem para o futuro da população e da economia americana, já que as tempestades estão causando um aumento exponencial em perdas materiais e humanas.

Neste artigo, analisaremos como as mudanças climáticas estão contribuindo para o aumento dos furacões nos EUA, por que o período entre essas tempestades está cada vez mais curto, e discutiremos o que foi deixado de lado em termos de políticas ambientais. A referência ao furacão Helene servirá como um marco de comparação, para entendermos por que as tempestades recentes, como a mais devastadora de 2024, têm causado danos ainda mais significativos.

Mudanças Climáticas: A Principal Causa por Trás do Aumento de Furacões

Para entender o aumento na frequência e intensidade dos furacões, é fundamental primeiro compreender a ciência por trás das mudanças climáticas e o impacto direto no comportamento dos furacões. O aquecimento global, causado em grande parte pela emissão descontrolada de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), tem levado ao aquecimento dos oceanos. Como os furacões dependem de águas quentes para se formarem e se intensificarem, esse aumento da temperatura dos oceanos proporciona um combustível extra para essas tempestades.

De acordo com o National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), desde 1980, a temperatura da superfície do mar no Atlântico tropical, onde a maioria dos furacões se forma, aumentou em torno de 0,7°C. Isso pode parecer uma mudança pequena, mas para um furacão, esse incremento representa um aumento significativo de energia disponível, o que leva a tempestades mais intensas e destrutivas.

Além disso, o aumento da temperatura global está mudando os padrões climáticos em geral, fazendo com que a atmosfera retenha mais umidade. Como resultado, os furacões não só se tornam mais fortes, mas também trazem consigo chuvas mais intensas, causando inundações catastróficas, como vimos recentemente nos furacões Harvey (2017) e Ida (2021).

Furacão Helene: Um Marco na Trajetória dos Furacões Modernos

O furacão Helene, que atingiu o Atlântico em setembro de 2018, foi um prenúncio do que estava por vir. Embora tenha sido classificado como um furacão de categoria 2, o Helene demonstrou um padrão que se tornaria mais comum nos anos seguintes: furacões que se formam rapidamente e alcançam intensidades significativas em um curto período de tempo, alimentados pelas águas quentes do Atlântico.

O Helene seguiu uma rota incomum para os furacões típicos que afetam os Estados Unidos. Ao invés de seguir para o oeste e atingir o continente norte-americano, ele permaneceu no Atlântico e seguiu para o norte, eventualmente enfraquecendo sem causar grandes estragos em terra firme. No entanto, essa mudança de padrão levantou alarmes na comunidade científica: a rota de Helene indicava uma crescente imprevisibilidade nas trajetórias dos furacões, um fenômeno que se intensificaria nas temporadas seguintes.

O que Helene deixou claro é que, mesmo furacões de menor intensidade ou fora da rota tradicional podem se tornar perigosos devido ao aquecimento global. Além disso, sua formação rápida e seu fortalecimento inesperado eram sinais de que as condições climáticas estavam se tornando mais propícias para o desenvolvimento de tempestades intensas com menos aviso prévio.

Por Que o Intervalo Entre Furacões Está Cada Vez Menor?

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Uma das mudanças mais alarmantes observadas recentemente é a redução do intervalo entre os grandes furacões. Embora anteriormente os EUA enfrentassem uma média de 10 a 12 tempestades nomeadas por ano (incluindo furacões e tempestades tropicais), nos últimos anos, esse número tem aumentado, com recordes sendo quebrados consecutivamente.

 

O principal fator por trás desse encurtamento do intervalo entre os furacões é a crescente energia disponível nas águas do Atlântico, que resulta em mais tempestades formadas durante a temporada de furacões. À medida que os oceanos se aquecem, as águas mais quentes se espalham por áreas maiores, criando um ambiente fértil para o desenvolvimento de ciclones tropicais.

Outro fator importante é a desaceleração dos ventos de cisalhamento (ventos que sopram em direções diferentes em diferentes altitudes e que podem inibir o crescimento de tempestades). O enfraquecimento desses ventos, também causado pelas mudanças climáticas, permite que as tempestades se formem mais facilmente e, em muitos casos, aumentem rapidamente de intensidade.

A combinação desses fatores significa que a janela de oportunidade para o surgimento de furacões está se expandindo. Onde antes os furacões se concentravam em determinados períodos da temporada de tempestades, agora vemos uma distribuição mais uniforme, com tempestades surgindo com menos tempo de descanso entre elas.

A Tempestade Mais Recente: O Impacto Econômico Devastador

Captura de tela 2024 10 03 104135Em 2024, um dos furacões mais devastadores já registrados atingiu a costa sudeste dos EUA, causando danos sem precedentes. O furacão, que rapidamente se intensificou de uma tempestade tropical para uma categoria 5 em apenas dois dias, foi impulsionado pelas águas anormalmente quentes do Golfo do México, que estavam cerca de 1,5°C acima da média histórica. Este aquecimento extremo forneceu o combustível necessário para que a tempestade se tornasse uma das mais poderosas da história recente.

O impacto econômico foi catastrófico. Grandes cidades costeiras, que já estavam vulneráveis devido à urbanização desenfreada e à falta de preparação adequada, foram devastadas por ventos de mais de 250 km/h e inundações massivas. Estima-se que os danos econômicos ultrapassem os 200 bilhões de dólares, o que coloca esta tempestade entre as mais caras da história dos EUA.

Mas por que esse furacão causou tanto prejuízo? Além de sua intensidade, o aumento do nível do mar, causado pelo derretimento acelerado das geleiras polares e pelo aquecimento global, aumentou significativamente a vulnerabilidade das áreas costeiras. Cidades como Miami e Nova Orleans, que já enfrentam problemas de afundamento, foram particularmente afetadas pelas inundações, com algumas áreas ficando submersas por dias após a tempestade.

Outro fator foi a expansão urbana não planejada. Muitas áreas que foram destruídas pela tempestade estavam localizadas em zonas de risco que, décadas atrás, eram protegidas por pântanos e manguezais naturais, que ajudavam a amortecer o impacto das tempestades. No entanto, com o crescimento imobiliário descontrolado, essas áreas naturais foram destruídas, deixando a infraestrutura humana diretamente exposta ao poder das tempestades.

A Responsabilidade Global e o Papel dos Estados Unidos no Combate às Mudanças Climáticas

Enquanto os Estados Unidos enfrentam cada vez mais os impactos devastadores das mudanças climáticas, como a intensificação dos furacões, o país também tem uma responsabilidade significativa no cenário global. Como uma das maiores economias do mundo e um dos principais emissores históricos de gases de efeito estufa, os EUA estão na linha de frente do debate climático internacional. O mundo tem olhado para a nação como um líder em tecnologia e inovação, esperando que o país adote políticas eficazes de combate às mudanças climáticas. No entanto, essa liderança tem sido inconsistente, principalmente nas últimas décadas.

Desde a década de 1990, quando a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática começou a destacar a gravidade da situação, os Estados Unidos tiveram uma abordagem vacilante em relação à ação climática. Embora o Protocolo de Kyoto (1997) tenha sido um passo importante para que as nações desenvolvidas reduzissem suas emissões, os EUA, sob a administração de George W. Bush, optaram por não ratificar o tratado, alegando que ele seria prejudicial à economia. Essa decisão foi um golpe para os esforços globais de combate às mudanças climáticas e criou um precedente de inação.

Mais recentemente, em 2015, o Acordo de Paris foi estabelecido como uma nova tentativa global de mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Sob a administração de Barack Obama, os EUA assumiram compromissos de redução de emissões e passaram a desempenhar um papel central nas negociações internacionais. No entanto, a eleição de Donald Trump em 2016 trouxe uma reversão abrupta dessas políticas, com a retirada dos EUA do acordo em 2017, uma ação que sinalizou para o resto do mundo que o país não estava mais comprometido com a luta contra o aquecimento global.

Embora a administração Biden tenha revertido essa decisão e readmitido os EUA no Acordo de Paris, a falta de continuidade nas políticas climáticas norte-americanas revela uma falta de comprometimento real com soluções de longo prazo. Isso cria uma atmosfera de incerteza, tanto para os cidadãos quanto para a comunidade internacional, dificultando a adoção de políticas globais coordenadas e efetivas.

Desastres Naturais e Desigualdade: O Impacto Desproporcional dos Furacões

Além do impacto econômico generalizado e da destruição de infraestrutura, é importante notar que os furacões nos EUA afetam de maneira desproporcional as comunidades mais vulneráveis. Cidades costeiras, muitas das quais têm populações economicamente desfavorecidas, sofrem mais com as consequências dos furacões. Moradores de áreas mais pobres muitas vezes não têm os recursos financeiros para evacuar com segurança, proteger suas propriedades ou reconstruir suas vidas após os desastres.

Um exemplo claro disso é Nova Orleans durante o furacão Katrina em 2005, que deixou milhares de famílias, especialmente as afro-americanas e de baixa renda, desabrigadas. A falta de um plano de evacuação adequado e as falhas na infraestrutura de proteção contra inundações contribuíram para que o furacão se tornasse um dos desastres naturais mais mortais e destrutivos da história americana.

Desde então, embora algumas melhorias tenham sido feitas em termos de preparação para desastres, as comunidades de baixa renda continuam sendo as mais afetadas pelos furacões. As áreas vulneráveis, especialmente as localizadas nas planícies de inundação, enfrentam maiores dificuldades em se recuperar economicamente após cada temporada de furacões. A falta de seguro contra desastres, somada à baixa capacidade de reconstrução, significa que muitas dessas áreas nunca se recuperam completamente, perpetuando ciclos de pobreza e vulnerabilidade.

Além disso, os danos aos ecossistemas naturais também afetam desproporcionalmente as comunidades que dependem diretamente desses sistemas para subsistência. Pescadores, agricultores e outras populações costeiras sofrem com a degradação ambiental causada pelos furacões, e, à medida que as tempestades se tornam mais intensas, esses meios de subsistência estão cada vez mais ameaçados.

O Papel dos Setores Privado e Público: Soluções e Desafios

Uma das questões fundamentais que surge ao discutir as mudanças climáticas e o aumento dos furacões é a responsabilidade do setor privado e do público em lidar com os impactos ambientais e sociais desses desastres. O setor privado, particularmente a indústria de combustíveis fósseis, é um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, que aquecem os oceanos e intensificam os furacões. Contudo, há também uma oportunidade para o setor privado desempenhar um papel crucial no desenvolvimento de soluções inovadoras.

Empresas de energia renovável, tecnologia limpa e construção sustentável têm o potencial de transformar a economia americana e reduzir significativamente as emissões de carbono. Iniciativas como a instalação de painéis solares em áreas costeiras, o desenvolvimento de materiais de construção resilientes a tempestades e a promoção de práticas agrícolas sustentáveis podem ajudar a mitigar os efeitos dos furacões e aumentar a resiliência das comunidades.

No entanto, o setor privado sozinho não pode arcar com a responsabilidade total de combater as mudanças climáticas. Políticas públicas robustas são necessárias para criar regulamentações que incentivem práticas sustentáveis e desincentivem a exploração ambiental desenfreada. Subsídios para energias limpas, impostos sobre carbono e incentivos fiscais para construções ecológicas são algumas das políticas que podem ser implementadas para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono.

O grande desafio é a implementação de políticas climáticas em um ambiente político frequentemente dividido. Nos EUA, o lobby das indústrias de combustíveis fósseis exerce enorme influência sobre os formuladores de políticas, retardando ou até bloqueando a aprovação de regulamentações ambientais mais rígidas. As mudanças nas administrações presidenciais também afetam a continuidade das políticas climáticas. Embora o governo Biden tenha retomado o compromisso com o Acordo de Paris, ainda há muito trabalho a ser feito para alcançar as metas de emissões zero até 2050.

Adaptação e Mitigação: O Que Pode Ser Feito para Reduzir os Impactos dos Furacões

Diante da crescente ameaça de furacões mais frequentes e destrutivos, a mitigação e a adaptação se tornam elementos fundamentais da política climática dos EUA. A mitigação refere-se à redução das emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global, enquanto a adaptação implica em preparar as comunidades e a infraestrutura para enfrentar os impactos inevitáveis.

Adaptação:

  1. Fortalecimento das Infraestruturas Costeiras – Cidades costeiras, como Miami e Nova Orleans, precisam urgentemente de investimentos em infraestrutura para proteger suas populações dos efeitos do aumento do nível do mar e das tempestades cada vez mais intensas. Barreiras contra tempestades, sistemas de drenagem aprimorados e construções resistentes a inundações são apenas algumas das medidas necessárias para garantir que essas cidades possam enfrentar o futuro. O exemplo de Nova Orleans, que investiu significativamente em sua infraestrutura após o furacão Katrina, é um lembrete de que esses esforços podem salvar vidas e minimizar prejuízos.
  2. Restauro de Ecossistemas Naturais – A restauração de pântanos, manguezais e outros ecossistemas naturais pode ajudar a amortecer os impactos dos furacões. Essas zonas de amortecimento naturais são cruciais para reduzir a força das tempestades, absorver o impacto das ondas e mitigar inundações. No entanto, esses ecossistemas foram severamente degradados pela expansão urbana, o que aumenta a vulnerabilidade das áreas costeiras. O restabelecimento dessas zonas deveria ser uma prioridade para os planejadores urbanos e ambientalistas.
  3. Planejamento Urbano Inteligente – Governos locais precisam adotar medidas rigorosas de planejamento urbano para impedir a construção em áreas de alto risco, como planícies de inundação e zonas costeiras suscetíveis ao aumento do nível do mar. Investimentos em moradias seguras e sustentáveis, localizadas em áreas mais protegidas, podem salvar vidas e evitar perdas econômicas significativas.

Mitigação:

Captura de tela 2024 10 03 103942Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa: A solução de longo prazo para enfrentar as mudanças climáticas e, consequentemente, o aumento da intensidade dos furacões, é reduzir drasticamente as emissões de carbono. Isso envolve a transição para energias renováveis, como solar, eólica e hidrelétrica, além da implementação de tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Programas que incentivam o uso de veículos elétricos e promovem a eficiência energética em indústrias e residências também podem ajudar a atingir as metas climáticas.

Desincentivo aos Combustíveis Fósseis: Uma política robusta de precificação de carbono, como um imposto sobre emissões, é essencial para desincentivar o uso de combustíveis fósseis. Além disso, a remoção gradual de subsídios para a indústria de petróleo e gás pode ajudar a acelerar a transição para uma economia mais limpa. Esses recursos poderiam ser redirecionados para financiar tecnologias verdes e programas de adaptação para comunidades vulneráveis.

Acordos Internacionais e Cooperação Global: Os EUA, como um dos maiores emissores de carbono do mundo, têm um papel crucial na liderança de esforços globais para combater as mudanças climáticas. A retomada do compromisso com o Acordo de Paris foi um passo importante, mas é necessário um maior engajamento para garantir que os países cumpram suas metas climáticas.


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