Governo Federal avalia delegar licenciamento ambiental a estados e municípios

Autor: Redação Revista Amazônia

O Governo Federal estuda uma mudança significativa no processo de licenciamento ambiental, transferindo a responsabilidade de projetos considerados de menor impacto para estados e municípios. A proposta visa agilizar os processos e reduzir a carga sobre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que atualmente tem competência para avaliar empreendimentos de maior porte e impacto ambiental.

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A ideia central da medida é alterar os critérios de competência para emissão de licenças ambientais em setores como energia e infraestrutura. Atualmente, por exemplo, termelétricas com capacidade a partir de 300 megawatts (MW) são licenciadas pelo IBAMA, enquanto projetos menores ficam sob responsabilidade de instâncias regionais. A proposta em estudo pretende elevar esse limite, deslocando mais projetos para os órgãos estaduais. Mudanças semelhantes também estariam sendo analisadas para portos, podendo levar a uma divisão de competências baseada na capacidade de carga do local.

O IBAMA reconhece que o avanço tecnológico e as mudanças nos padrões de operação de diversos setores justificam a revisão das regras, o que poderia permitir um direcionamento mais eficiente dos processos de licenciamento. No entanto, há um debate acalorado em Brasília sobre os possíveis impactos ambientais dessa flexibilização.

O Risco de Redução da Consulta a Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais

Uma das grandes preocupações levantadas por ambientalistas e organizações da sociedade civil é o possível enfraquecimento da consulta a Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. Atualmente, muitos projetos precisam passar por um processo de escuta desses grupos devido à sua proximidade com Terras Indígenas e outras áreas sensíveis. A nova proposta poderia reduzir a área de influência considerada para esse tipo de consulta, limitando a participação dessas populações nas decisões que afetam seus territórios e modos de vida.

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A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece o direito à consulta prévia, livre e informada para povos tradicionais, mas na prática, esse direito já enfrenta dificuldades para ser garantido. Caso a mudança de regras avance, há receios de que a situação se agrave ainda mais.

Setores Econômicos Defendem Menos Burocracia, Mas Há Exemplos de Problemas

Representantes da indústria, agronegócio, infraestrutura e energia alegam que os atuais processos de licenciamento ambiental são excessivamente rígidos e demoram a liberar investimentos. Para esses setores, descentralizar a concessão de licenças poderia destravar projetos essenciais ao crescimento econômico e à geração de empregos.

Entretanto, experiências anteriores demonstram que o licenciamento ambiental estadual nem sempre garante rigor técnico e segurança jurídica. No Nordeste, parques eólicos e solares foram licenciados por estados, mas causaram impactos socioambientais significativos, incluindo alterações em ecossistemas frágeis e deslocamento forçado de comunidades locais. No Amazonas, projetos de gás fóssil e energia autorizados por órgãos estaduais também resultaram em problemas ambientais graves, apesar de sua conformidade com normas estaduais.

Outra preocupação recorrente é o uso do “fatiamento” de projetos, uma estratégia utilizada por algumas empresas para dividir grandes empreendimentos em várias pequenas partes, evitando uma análise mais rigorosa pelo IBAMA e facilitando a obtenção de licenças ambientais sem considerar os impactos cumulativos.

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A Pressão Política e os Temores de Retrocesso

Se o IBAMA, um órgão federal com maior autonomia, já sofre pressões para flexibilizar regras e acelerar licenciamentos, o temor de ambientalistas é que órgãos estaduais e municipais fiquem ainda mais vulneráveis a interesses políticos e econômicos. Há casos documentados de interferência direta de políticos e empresários sobre órgãos ambientais regionais, o que pode comprometer a imparcialidade e a efetividade do licenciamento.

Enquanto isso, outros estados acompanham o debate com interesse. Em Minas Gerais, por exemplo, o governador Romeu Zema chegou a propor uma flexibilização na consulta a Povos e Comunidades Tradicionais, mas recuou após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a medida atendendo a um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Eficiência x Proteção Ambiental

A proposta do Governo Federal para descentralizar o licenciamento ambiental levanta um dilema complexo entre a busca por eficiência na liberação de projetos e a necessidade de garantir rigor na proteção ambiental e no respeito aos direitos de populações tradicionais. A experiência brasileira demonstra que, sem mecanismos de controle e transparência, há um grande risco de aumento de danos ambientais e sociais.

A discussão promete seguir quente nos próximos meses, envolvendo governo, setor privado, ambientalistas e comunidades impactadas. A chave será encontrar um ponto de equilíbrio que permita avanços econômicos sem comprometer os compromissos ambientais e sociais do Brasil.


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