É difícil ignorar o canto estridente de uma seriema ao longe — ele ecoa como uma gargalhada selvagem que corta a paisagem. Mas, para além da fama de “despertador do campo”, pouca gente sabe como vivem essas aves elegantes e, por vezes, até cômicas. Presentes em áreas abertas do Brasil, as seriemas são mestres da discrição quando não estão vocalizando. Abaixo da superfície sonora, existem hábitos curiosos, quase secretos, que revelam uma inteligência peculiar e uma adaptação surpreendente à vida fora do comum.

Seriemas: a ave do cerrado que anda mais do que voa
As seriemas (principalmente da espécie Cariama cristata) são típicas do cerrado e campos do Brasil, especialmente em regiões como o Centro-Oeste e o Sudeste. São aves grandes, com cerca de 90 cm de altura, e sua crista eriçada é uma de suas marcas registradas. Apesar de terem asas e voarem por curtas distâncias, essas aves preferem correr — e muito. São corredoras velozes, com passos largos e postura ereta, o que as torna parecidas com pequenos dinossauros aos olhos de alguns observadores atentos.
Esse comportamento tem raízes evolutivas: no ambiente de campo aberto, correr é mais eficiente do que voar. E ao contrário do que se imagina, elas não são aves tímidas — só sabem muito bem como se manter alertas e discretas.
Elas usam pedras como “tábua de corte”
Poucos sabem que a seriema possui um hábito notavelmente inteligente: ela utiliza pedras como uma espécie de “bancada” para preparar sua refeição. Quando captura uma presa como um lagarto ou cobra, a ave a leva até uma pedra ou tronco e começa a golpear repetidamente o animal contra a superfície. O objetivo? Quebrar ossos, imobilizar e facilitar a ingestão.
Esse comportamento demonstra uma forma rudimentar de uso de ferramenta, algo relativamente raro entre aves. É um instinto que mistura pragmatismo e eficiência, revelando o quanto a seriema é uma caçadora estratégica — não apenas uma ave que faz barulho ao amanhecer.
Seriemas “conversam” entre si para marcar território
O canto da seriema é tão emblemático que já foi confundido com gargalhadas humanas. Mas o que parece uma simples vocalização estridente tem, na verdade, funções bem definidas. As seriemas cantam em dueto — geralmente em casais — ao amanhecer ou no final da tarde, como forma de demarcar território.
É um verdadeiro ritual sonoro. Elas se posicionam em lugares altos, como pedras ou troncos, e emitem gritos coordenados e sequenciais. Esse “diálogo musical” serve para manter rivais afastados e fortalecer os laços do casal. A territorialidade é algo muito sério para as seriemas, e essa comunicação sonora é parte essencial da convivência no ambiente natural.

Costumam formar duplas fixas e são monogâmicas
Ao contrário de muitas outras aves que trocam de parceiro frequentemente, as seriemas formam casais que permanecem juntos por longos períodos — em alguns casos, por toda a vida. Essas duplas dividem tarefas como o cuidado com os filhotes e a vigilância do território.
Durante a época de reprodução, que ocorre nos meses mais secos do ano, o casal constrói um ninho em árvores baixas ou arbustos, usando gravetos. Os ovos são chocados por cerca de 24 dias, e os filhotes, ao nascerem, já demonstram a mesma habilidade dos pais: caminhar e explorar o ambiente com rapidez e curiosidade.
Esse vínculo duradouro reforça a importância da cooperação entre o casal, e o mais curioso é que eles continuam vocalizando juntos mesmo fora do período reprodutivo — uma espécie de “parceria musical” que reforça os laços.
A relação com humanos e a adaptação ao ambiente rural
Nas zonas rurais, é comum ouvir relatos de seriemas que se aproximam de quintais e até interagem com galinhas. Por não serem agressivas e conviverem bem com a presença humana, muitas acabam sendo “adotadas” por fazendeiros como aves protetoras, já que afugentam pequenos predadores com sua presença.
Essa adaptação ao ambiente modificado é mais um indicativo da resiliência dessa espécie. Mesmo com a fragmentação do cerrado, as seriemas continuam encontrando formas de sobreviver — e, em alguns casos, até prosperar — ao lado dos humanos.
O desafio atual, no entanto, é garantir que os habitats naturais continuem existindo. O avanço da agricultura e a perda de áreas nativas comprometem a biodiversidade, inclusive a dessas aves que, apesar do canto potente, precisam de silêncio e espaço para viver como sabem.
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