Empresas como iFood, Uber, Spotify, Google e Vale investiram milhões de dólares para compensar suas emissões de carbono por meio de créditos gerados na Amazônia brasileira. No entanto, uma investigação da InfoAmazonia mostrou que 61% desses créditos foram emitidos em áreas que também têm concessões para mineração, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Empresas globais e créditos de carbono “contaminados”
Ao todo, 40,1 milhões de toneladas de carbono foram geradas em zonas com atividade ou potencial de mineração, de um total de 65,8 milhões vendidas no país. Os créditos são todos oriundos de projetos REDD+, que prometem evitar emissões por meio da preservação florestal.

Um mercado bilionário, mas sem garantias
Mais de 3.600 empresas de diversos setores compraram esses créditos, inclusive mineradoras como Vale e Sigma. No entanto, em 73 dos 114 projetos mapeados no Brasil há sobreposição com áreas de mineração, seja em fase de exploração, solicitação ou concessão ativa. Em alguns casos, a mineração já opera; em outros, os projetos de carbono foram abandonados para dar lugar à extração de recursos como ouro, bauxita e casiterita.
No estado do Pará, 12 áreas apresentam esse conflito entre carbono e mineração. Amazonas e Rondônia também registram casos relevantes.
Projetos suspensos após desmatamento e trabalho análogo à escravidão
Um dos exemplos mais emblemáticos é o Projeto Maísa REDD+, em Moju (PA). O projeto vendeu 635 mil créditos de carbono a empresas como Google, Uber, Giorgio Armani, AstraZeneca e TIM. Em 2022, a empresa Maísa Agropecuária rompeu o contrato de preservação para dar lugar à mineração e criação de gado.
Desde então, mais de 6.400 hectares de floresta foram desmatados. Em 2023, o Ministério do Trabalho resgatou 16 trabalhadores em condições análogas à escravidão na área do projeto. Em 2024, o Ibama multou a empresa em R$ 3,6 milhões.

A promessa da conservação versus a realidade da mineração
Para especialistas, não é possível conciliar mineração com conservação florestal, base dos créditos de carbono. “Estamos diante de duas economias incompatíveis: uma destrutiva, a mineração, e outra que deveria ser verde”, explica Marcela Vecchione, pesquisadora da UFPA.
A nova Lei nº 15.042/2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), exige que áreas geradoras de créditos permaneçam protegidas da deflorestação. No entanto, a ausência de regulação específica sobre a convivência de projetos de carbono e mineração deixa brechas para abusos.
Conflitos em terras indígenas e grilagem disfarçada
Na Terra Indígena Ipixuna, no Amazonas, há projetos com créditos comercializados em áreas sobrepostas por processos de mineração. Em terras dos Munduruku, projetos foram aprovados sem a consulta a todas as aldeias, em descumprimento ao protocolo indígena.
A defensora pública Andreia Barreto, do Pará, denuncia que os projetos de carbono têm gerado conflitos internos, divisão de comunidades e disputas fundiárias. Para ela, o mercado de carbono, em sua forma atual, não reduz emissões, mas apenas legitima práticas predatórias com verniz verde.
Grandes empresas usam créditos sem verificar integridade
Empresas como Spotify, Itaú, Localiza e Shell utilizaram créditos de projetos suspensos ou investigados, como Ituxi, Maísa e Unitor. Muitas afirmam que, no momento da compra, os projetos estavam certificados. Outras, como Uber e Norsul, informaram que deixaram de utilizar os créditos após identificarem irregularidades.
A certificadora Verra, responsável pela maioria desses projetos, reconhece que concessões minerárias podem levar à anulação de créditos, mas alega que a responsabilidade pelas áreas é dos proponentes dos projetos, e não da certificadora.
Um sistema que se alimenta da ameaça da devastação
A crítica mais contundente vem da cientista social Fabrina Furtado, da UFRRJ. Ela aponta falhas estruturais no mercado voluntário de carbono: “É um sistema que se alimenta da possibilidade de destruição. Se acabar a ameaça de desmatamento, os créditos também deixam de existir.”
A lógica dos projetos REDD+ parte da ideia de que a floresta poderia ser desmatada, então preservar gera um crédito. Mas se a mesma área está licenciada para mineração, a base de cálculo perde validade, e o benefício ambiental se torna ilusório.







































