Gilberto Gil leva ópera inspirada em Gonçalves Dias à abertura da COP 30 em Belém


Meses antes de subir ao palco do Theatro da Paz com sua turnê de despedida Tempo-Rei, em março de 2026, Gilberto Gil prepara uma obra inédita para a capital paraense. Em novembro, durante a cerimônia de abertura da COP 30, Belém receberá a estreia da ópera I-Juca Pirama, baseada no célebre poema de Gonçalves Dias.

Gilberto Gil por Giovani Bianco

O projeto é fruto da parceria do compositor baiano com o maestro italiano Aldo Brizzi e nasceu de uma ideia original do escritor Paulo Coelho. A obra está programada para os dias 10, 11 e 12 de novembro, com encenação ainda em fase de definição, mas já confirmada como um dos pontos altos da programação cultural da conferência climática.

Publicado em 1851 no livro Últimos Cantos, o poema I-Juca Pirama é considerado uma das grandes obras do romantismo brasileiro. Com 484 versos divididos em dez cantos, narra a saga de um jovem guerreiro tupi aprisionado por uma tribo timbira que se prepara para sacrificá-lo em um ritual antropofágico. Mais do que um relato épico, o texto exalta o indígena como herói nacional, em sintonia com a primeira fase do movimento romântico, que buscava valorizar a identidade e a natureza brasileiras.

Essa dimensão cultural e simbólica foi determinante para que Paulo Coelho sugerisse a adaptação do poema. Segundo Gil, a escolha dialoga diretamente com a temática da COP 30, que terá a Amazônia no centro das discussões sobre mudanças climáticas. “O poema tem uma força dramática muito importante e evoca questões profundas sobre comunidades indígenas e suas tradições”, explicou o artista em entrevista ao jornal Grupo Liberal.

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Theatro da Paz – Agência Pará

A criação compartilhada

Depois da sugestão de Coelho, coube a ele e a Brizzi a elaboração do libreto. Gilberto Gil, por sua vez, assumiu a tarefa da composição musical ao lado do maestro. A obra já está concluída no campo sonoro, restando agora a etapa de viabilização cênica e logística. Segundo o compositor, a montagem será construída de forma colaborativa, com participação ativa de músicos e representantes de comunidades indígenas.

Essa não é a primeira vez que Gil e Brizzi unem forças no universo da ópera. Em Amor Azul, criada a partir de um poema hindu sobre o amor de Krishna e Radha, os dois desenvolveram 41 canções originais. Agora, em I-Juca Pirama, a dupla volta a apostar na fusão entre a tradição erudita e a linguagem popular, marca registrada do trabalho de Gil.

“O objetivo é aproximar o universo operístico da musicalidade popular brasileira, onde transito e trabalho”, afirma. O compositor cita exemplos de artistas como Chico Buarque, que já explorou esse diálogo em obras como Ópera do Malandro e Gota D’Água, para reforçar que a integração entre música popular e dramaturgia é um caminho fértil e historicamente legitimado.

A escolha de estrear a ópera durante a COP 30 em Belém carrega também um sentido simbólico. O Pará, estado que será o epicentro da conferência, tem vivido intensos debates sobre desmatamento, bioeconomia e preservação ambiental. Nesse contexto, trazer ao palco uma obra que revisita tradições indígenas e questiona relações de poder e sobrevivência é um gesto artístico que se conecta diretamente com os dilemas contemporâneos.

Além disso, a estreia amplia a relevância cultural do evento global. Belém, que receberá delegações de quase 200 países, terá não apenas um espaço de negociações políticas, mas também um palco de experiências estéticas que projetam a cultura brasileira no cenário internacional.

Seja pela densidade do poema de Gonçalves Dias, pela força da música de Gil ou pela ressonância das pautas indígenas na atualidade, I-Juca Pirama se anuncia como um espetáculo de múltiplas camadas: um tributo à literatura romântica, um exercício de reinvenção musical e um convite ao diálogo entre arte, tradição e futuro.

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