Contra o cenário majestoso do Alasca, com picos cobertos de geleiras, a pesquisadora Dana Bloch se inclina sobre a lateral de um pequeno barco e coleta um pedaço alaranjado de fezes de baleia flutuando no mar. “É minha melhor amostra até agora”, diz a doutoranda da Universidade do Alasca, animada ao observar o material sólido deixado por um enorme jubarte que se alimentara de krill.

Pode parecer estranho, mas estudar o cocô das baleias revela algo fundamental: esses gigantes do oceano não apenas encantam turistas e cientistas, como também desempenham um papel crítico na manutenção da vida marinha e até no combate às mudanças climáticas.
O que torna o cocô das baleias tão especial?
Três fatores principais:
Volume – baleias são os maiores animais do planeta e produzem grandes quantidades de fezes.
Ciclo de nutrientes – elas se alimentam em águas profundas, mas geralmente defecam perto da superfície, trazendo à tona nutrientes como nitrogênio, fósforo e ferro que, de outra forma, ficariam presos no fundo.
Flutuabilidade – ao contrário de outros resíduos que afundam, as plumas fecais das baleias permanecem suspensas na camada mais ensolarada do oceano, justamente onde vivem os fitoplânctons, microplantas que formam a base da cadeia alimentar marinha.
Ou seja: cada jato de cocô de baleia é um “fertilizante líquido” natural para o oceano.
A bomba de nutrientes: o “whale pump”
Esse processo ganhou até nome: whale pump (“bomba de baleia”). Ele já foi estudado em diferentes partes do mundo.
No Atlântico Norte, cientistas descobriram que baleias e focas adicionam mais nitrogênio à superfície do que todos os rios que desembocam no Golfo do Maine.
No oceano Antártico, análises mostraram que as fezes de baleias de barbatana, cachalotes e baleias-azuis contêm concentrações de ferro 10 milhões de vezes maiores do que a água de fundo. Esse ferro é crucial para estimular a produção de fitoplâncton.
Globalmente, a movimentação de fósforo dos fundos marinhos para a superfície por mamíferos marinhos caiu 77% desde a caça industrial às baleias, segundo estudo do biólogo Joe Roman.
Em resumo: ao reciclar nutrientes, as baleias agem como verdadeiros “jardineiros dos oceanos”.
Baleias como parceiras da pesca
Durante décadas, acreditou-se que as baleias competiam com os humanos pelos peixes, já que consomem espécies como arenque. Mas novas pesquisas mostram o contrário: ao fertilizar o oceano, as fezes das baleias favorecem a proliferação de fitoplâncton, que serve de base para cadeias alimentares inteiras, beneficiando inclusive estoques pesqueiros.
“Podemos pensar nas baleias como agricultoras, depositando nutrientes no oceano que sustentam a vida marinha”, afirma Dana Bloch.
Cocô contra o aquecimento global
As implicações vão além da ecologia marinha. O fitoplâncton fertilizado pelas fezes das baleias captura dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera e o envia para as profundezas do oceano, onde pode permanecer por milhares de anos.
Alguns cientistas já estudam maneiras de “imitar” o efeito das baleias com fertilizantes artificiais, mas a solução mais eficiente continua sendo a óbvia: deixar que as populações de baleias se recuperem após séculos de caça predatória.
Heidi Pearson, bióloga da Universidade do Alasca, alerta: “Para colhermos todos os benefícios do whale pump, precisamos de ações de conservação mais firmes para proteger e recuperar as populações de baleias.”

Baleias ameaçadas
Apesar de avanços recentes na proteção, a situação ainda é crítica para muitas espécies.
Baleias-azuis da Antártida representam menos de 1% da população original.
Baleias-francas-do-norte estão à beira da extinção.
Já os jubartes do Pacífico Norte apresentam sinais de recuperação, migrando aos milhares para as águas ricas em nutrientes do Alasca.
Cada indivíduo conta não apenas como patrimônio natural, mas como “engenheiro ecológico” que mantém o oceano saudável.
O futuro das pesquisas
Dana Bloch continua coletando amostras – muitas vezes com ajuda de drones – e testando em laboratório como diferentes tipos de fezes estimulam o crescimento do fitoplâncton. Os resultados preliminares confirmam: onde há cocô de baleia, há mais vida.
“Espero que esses dados ajudem a mostrar como esses gigantes afetam todo o ecossistema marinho e nos deem ainda mais razões para protegê-los”, diz a pesquisadora.
Em resumo
O cocô das baleias pode parecer irrelevante, mas é uma engrenagem vital do equilíbrio climático e da vida nos mares. Cada pluma alaranjada que sobe à superfície é um lembrete de que conservar baleias não é apenas uma questão ética ou estética: é uma estratégia prática para manter os oceanos férteis, os peixes abundantes e o planeta mais estável diante da crise climática.
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