A preparação para a COP30 em Belém do Pará vai muito além da organização logística de uma conferência global sobre o clima. No Brasil, instituições e movimentos sociais buscam aproveitar a visibilidade do evento para repensar o futuro da Amazônia. Um dos esforços recentes é a publicação “COP30 e o Desenvolvimento na Amazônia”, lançada pelo Grupo de Trabalho da Amazônia da Fundação Perseu Abramo.

A cartilha não se limita a oferecer dados: ela propõe um roteiro de debates sobre o modelo econômico regional e as alternativas capazes de conciliar preservação ambiental com geração de renda e qualidade de vida. O lema “floresta em pé, com os brasileiros da Amazônia também em pé” resume bem a proposta: defender o bioma e, ao mesmo tempo, garantir que sua população não seja deixada para trás.
Segundo o pesquisador Pedro Silva Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e conselheiro da fundação, o grande desafio está em frear a expansão descontrolada da mineração, da soja e da pecuária, setores que avançaram intensamente nas últimas décadas. A aposta, afirma, deve ser em diversificação produtiva e valorização da bioeconomia. Ele lembra que o potencial ainda é pouco explorado: produtos emblemáticos da região, como a castanha-do-Brasil, têm participação tímida do Brasil no mercado mundial, enquanto a Bolívia domina mais da metade das exportações.
A publicação também traz a noção de sociobioeconomia, apresentada como alternativa a um modelo de destruição da floresta. O conceito reúne dimensões sociais, biológicas e econômicas para pensar como comunidades locais podem desenvolver atividades compatíveis com a preservação, transformando diversidade biológica em oportunidades de renda. Para a economista Esther Bemerguy, integrante do GT, a questão fundiária é central: sem regularização da posse e da gestão da terra, não há como estruturar um modelo sustentável.
Ela lembra que o conhecimento tradicional de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos extrativistas já constitui, por si só, um exemplo de inovação tecnológica. Esses grupos vêm, há séculos, manejando a floresta de forma equilibrada, o que deveria inspirar políticas públicas e orientar investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Outro dado relevante trazido na cartilha é o crescimento acelerado da urbanização na região Norte. Entre 2010 e 2022, foi a área do país que mais se urbanizou, resultado da falta de infraestrutura e serviços básicos no interior. O problema, porém, vem acompanhado de desigualdade: segundo o último Censo do IBGE, 19% da população da região vive em favelas, com índices que ultrapassam 50% em Belém e Manaus. Esse cenário reforça a urgência de políticas que articulem inclusão social e preservação ambiental.

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A cartilha aponta a COP30 como oportunidade histórica para a Amazônia ganhar protagonismo em uma nova agenda global de desenvolvimento sustentável. A escolha de Belém como sede não é apenas simbólica: posiciona o Brasil como liderança nas negociações climáticas e abre espaço para que os países amazônicos defendam sua soberania sobre o bioma. Barros destaca que a conferência não discutirá apenas o futuro da Amazônia, mas sim o futuro do planeta diante da crise climática. Ainda assim, é essencial fortalecer mecanismos de cooperação regional, como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reúne os países da bacia amazônica.
O texto também chama atenção para os desafios do financiamento climático. Apesar das promessas feitas no Acordo de Paris, menos de 25% dos recursos comprometidos chegaram a ser desembolsados. Esse desequilíbrio, somado às assimetrias entre países ricos e em desenvolvimento, deve estar no centro das discussões. No caso da Amazônia, por exemplo, o consumo per capita de energia está muito abaixo da média global, e qualquer plano de transição precisa considerar essa realidade.
Para os organizadores da cartilha, a defesa da Amazônia não pode se restringir à ideia de “santuário intocado”. A floresta precisa estar de pé, mas sua população deve ter acesso a oportunidades de desenvolvimento. O grande desafio é justamente esse: articular a preservação ambiental com o direito a uma vida digna.
Com 13 pontos centrais de análise, a publicação busca atualizar o discurso público sobre a região e conectá-lo às agendas de clima, economia e justiça social. Mais do que um documento de apoio à COP30, trata-se de um convite para pensar o futuro da Amazônia com os amazônidas no centro das decisões.
Confira aqui a íntegra do material: https://darkslategray-goldfinch-715591.hostingersite.com/wp-content/uploads/2025/09/cartilha-cop30-fpa-revisado-1-1-1.pdf











































