Vontade política é chave contra desmatamento, revela estudo


A capacidade de manter de pé as maiores florestas tropicais do planeta não depende apenas de planos técnicos ou estatísticas. O que realmente move esse processo é a determinação política, sustentada por uma engrenagem social mais ampla, onde atuam a pressão da sociedade civil, a diplomacia internacional e o engajamento de comunidades locais. Essa é a principal mensagem de um estudo publicado na revista Conservation Letters, que comparou os caminhos trilhados pelo Brasil e pela Indonésia, países que guardam alguns dos maiores blocos remanescentes de floresta tropical no mundo.

Foto: Ronaldo Rosa

A pesquisa reuniu 36 especialistas, entre pesquisadores, gestores públicos e profissionais ligados à conservação, para compreender quais fatores foram decisivos nas reduções históricas do desmatamento nesses dois países. O Brasil reduziu a devastação em 84% entre 2004 e 2012. Já a Indonésia alcançou queda de 78% no período de 2016 a 2021. Para chegar a esse diagnóstico, foi utilizada a metodologia Delphi, que valoriza consultas sucessivas e anônimas, permitindo aos participantes chegar a consensos sem a influência de vozes dominantes.

O motor da vontade política

Segundo os autores, a vontade política para fazer valer as leis foi unanimemente considerada o fator mais importante para proteger as florestas. Mas ela não nasce sozinha. É fruto da persistência da sociedade civil, do olhar vigilante da opinião pública e das pressões internacionais. Como destacou Matthew Spencer, do The Sustainable Trade Initiative (IDH), “o segredo não está em seguir a tendência da vez, mas em esforços contínuos que, ao longo do tempo, criam a base da mudança real”.

No caso brasileiro, essa engrenagem se expressou em políticas como o Código Florestal e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Ambos mostraram que é possível conciliar a expansão agrícola com a proteção ambiental, desde que haja fiscalização efetiva e decisão governamental. Júlio César dos Reis, pesquisador da Embrapa Cerrados, lembra que a agricultura sempre foi motor da destruição florestal no Brasil, especialmente nas décadas de 1950 a 1980, quando o lema “integrar para não entregar” justificou a ocupação da Amazônia. Ainda assim, a experiência provou que a política pública pode inverter essa lógica.

O mosaico indonésio

Na Indonésia, o caminho se revelou mais fragmentado e multifacetado. Além da ação governamental, o setor privado teve peso central com políticas de “desmatamento zero” em cadeias de commodities, como a do óleo de palma. O governo também implementou moratórias para novas licenças de cultivo. Essa combinação de forças reflete a alternância entre descentralização e recentralização da governança florestal no país.

O estudo mostra que, na década de 2010, quando o país atingiu as maiores reduções no desmatamento, a vontade política foi novamente apontada como elemento decisivo, ainda que alimentada por pressões externas e internas.

250909_ArtigoProtecaoFlorestas_Eufran_Amaral_queimadas-normalmente-precedem-o-desmatamento-ilegal-400x266 Vontade política é chave contra desmatamento, revela estudo
Eufran Amaral (queimadas normalmente antecedem o desmatamento ilegal)

VEJA TAMBÉM: Inteligência artificial se torna aliada estratégica no combate ao desmatamento na Amazônia

Povos da floresta: guardiões indispensáveis

Na Amazônia, a conservação ganhou força também a partir do reconhecimento dos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais. Desde a década de 1990, esse fator foi crescendo em relevância até se tornar peça-chave do êxito observado entre 2004 e 2012. Para Rachael Garrett, pesquisadora da Universidade de Cambridge, esse reconhecimento “foi crucial para consolidar as bases da conservação florestal no Brasil e será ainda mais vital no futuro”.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 11,8 milhões de brasileiros vivem em Unidades de Conservação, incluindo 282 mil quilombolas e 133 mil indígenas. Mas 40% dos domicílios nessas áreas enfrentam precariedades como falta de saneamento. Para Judson Valentim, da Embrapa Acre, a conservação só será sustentável se a qualidade de vida dessas populações for garantida. Valorizar os produtos da sociobiodiversidade, gerando renda e dignidade, é parte inseparável da proteção da floresta.

Um recado para a COP30

Essas conclusões chegam em um momento estratégico. Em 2025, Belém sediará a COP30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas. O estudo funciona como um alerta: proteger florestas tropicais não é apenas viável, é uma escolha política. Mas essa decisão precisa ser alimentada por sociedades mobilizadas e por uma comunidade internacional disposta a cobrar compromissos.

Como resume Joss Lyons-White, da Universidade de Cambridge, o desafio é entender como diferentes fatores se combinam em contextos distintos. Se há uma lição clara de Brasil e Indonésia, é que não existe fórmula mágica, mas existe caminho: vontade política, somada a vigilância social e engajamento global, é a equação capaz de manter vivas as florestas que sustentam o equilíbrio climático da Terra.