MPF articula medidas para proteger povos tradicionais na COP30


Enquanto a COP30 se aproxima, o Ministério Público Federal (MPF) vem desenhando uma atuação densa no sudoeste do Pará, onde povos indígenas e comunidades tradicionais enfrentam uma crise socioambiental em Itaituba. A combinação letal da seca severa, da contaminação por mercúrio proveniente do garimpo ilegal e da ausência ou fragilidade de políticas públicas ameaça direitos básicos como acesso à água potável, saúde, território e modos de vida. Para o MPF, defender esses direitos é também uma ação climática — porque não haverá solução para a crise planetária sem justiça social e territorial.

Divulgação - MPF

Na região da Bacia do Rio Tapajós, etnias como Munduruku, Apiaká e Kayabi convivem com escassez hídrica crescente e com a contaminação dos rios e fontes de alimento por mercúrio. Essa realidade, segundo os procuradores envoltos na ação, configura uma emergência multifacetada: risco à saúde, insegurança alimentar e danos culturais profundos. A resposta estatal até então se mostrou insuficiente, o que levou o MPF a agir com força judicial e extrajudicial.

O centro da estratégia consiste em compelir a União, o Estado do Pará e os municípios a cumprir seus deveres constitucionais. No plano emergencial, já foi obtida uma decisão liminar que exige o fornecimento imediato de água potável às comunidades atendidas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Tapajós, até que soluções definitivas sejam implementadas. Essa medida provisória é crucial para mitigar impactos imediatos da seca e preservar vidas.

Mas o MPF vai além das medidas de curto prazo. Em relação à contaminação por mercúrio, abriu inquérito civil que pavimentou a discussão de um fluxo de atendimento de saúde para pessoas contaminadas. Em 2025, esse esforço resultou na publicação de um manual pela Secretaria de Saúde Indígena. Há ainda a institucionalização do Fórum Paraense de Combate aos Impactos da Contaminação Mercurial na Bacia do Tapajós, espaço participativo que reúne autoridades e sociedade civil para monitoramento, sensibilização, capacitação e compromisso público de mitigação.

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A proteção de lideranças também figura entre as frentes ativas. Em cumprimento a determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o MPF recomendou a criação de uma mesa de diálogo permanente para garantir a segurança de defensores munduruku. A recomendação foi acolhida pelos Ministérios dos Direitos Humanos e dos Povos Indígenas, que avançam na estruturação desse canal institucional.

No campo territorial, o MPF acompanhou operações destinadas a expulsar invasores não indígenas das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, cobrando transparência e observância aos direitos dos povos. Agora, busca assegurar que os territórios recuperados permitam subsistência sustentável e que sejam implementadas medidas que evitem novas reinvasões.

A gestão da água é outro eixo estratégico. O MPF insiste na elaboração de comitês de bacia para o rio Tapajós como ferramenta de participação popular e controle social. Ao constatar que a União — por meio da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) — recusou recomendações de implementação de plano estratégico para recursos hídricos na margem direita do Amazonas, o MPF decidiu acionar o Judiciário para forçar a adoção desses instrumentos participativos e garantir o direito ao rio como bem comum.

Também foi emitida recomendação para que órgãos ambientais federais adotem um cadastro nacional de maquinário usado para mineração, de modo a rastrear equipamentos, ainda que não exclusivamente, empregados no garimpo. A Advocacia-Geral da União acatou a proposta inicial e apresentou projeto de resolução ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em sintonia com a recomendação do MPF. Essa iniciativa ajuda a vincular responsabilidade ao uso de maquinário e dificultar ações ilegais.

Para a procuradora da República Thaís Medeiros da Costa, coordenadora dessas iniciativas, a operação em Itaituba encarna o que potencialmente estará no centro da COP30: “a crise climática não é abstração; ela se manifesta brutalmente na vida dos mais vulneráveis por meio da seca, da contaminação e da violação de direitos”. Sua missão vai além da tutela formal: busca-se promover resiliência, proteger modos de vida e tornar visível à agenda global o sofrimento e as demandas dos povos amazônicos.

Esse conjunto de medidas juridicamente estruturadas está registrado em diferentes processos e inquéritos: os números incluem 1002268-18.2024.4.01.3908 e 1003169-83.2024.4.01.390, além de inquéritos civis como 1.23.008.000063/2021-79 e 1.23.002.000841/2023-41, e procedimentos de acompanhamento como 1.23.002.000531/2024-16, 1.23.002.001144/2024-99 e 1.16.000.000731/2025-04. Essa articulação legal robusta mostra que o MPF se prepara para usar a COP30 como cenário para amplificar sua atuação institucional.

Em paralelo, o MPF lançou uma campanha de comunicação, “MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos”. Até 9 de novembro — véspera do início da COP30 —, serão divulgadas 50 matérias sobre sua atuação voltada à proteção ambiental, das populações vulneráveis e dos direitos humanos. O objetivo é visibilizar a expectativa de que o evento global incorpore essas demandas e responsabilize agentes públicos e privados.

A agenda desenhada em Itaituba pode servir como microcosmo das tensões que a COP30 enfrenta em âmbito nacional e internacional: quem financia os custos da crise climática? Como garantir acesso à água e saúde nas regiões atingidas? Que mecanismos de justiça ambiental colocar em funcionamento? Se o MPF conseguir traduzir esses conflitos em normativas, compromissos e visibilidade global, sua atuação pode converter-se em legado. No fim, mais do que cumprir a lei, busca-se afirmar que clima, direitos humanos e territórios não são esferas separadas — são dimensões que se entrelaçam e exigem tratamento conjunto para que a Amazônia viva com dignidade e justiça.