Crea-MG cancela registros de engenheiros por Brumadinho e reacende debate sobre ética na mineração


Seis anos depois do rompimento da barragem da Vale S.A. em Brumadinho, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) anunciou o cancelamento definitivo do registro profissional de 15 engenheiros envolvidos no desastre. A decisão, comunicada em 6 de outubro, marca o encerramento de um longo processo administrativo e reabre a discussão sobre responsabilidade técnica, ética e segurança na engenharia brasileira.

Foto - Ibama

Segundo o órgão, as penalidades já transitaram em julgado e, portanto, não cabem mais recursos. Treze dos cancelamentos já constam oficialmente no site do conselho. Os engenheiros estão agora impedidos de exercer qualquer atividade profissional vinculada à engenharia — não podem emitir Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs), assinar projetos ou manter contratos que exijam registro ativo.

O Crea-MG afirma que todos os processos foram conduzidos com rigor, em respeito à ampla defesa e ao contraditório, conforme o Código de Ética Profissional. As investigações incluíram oitivas de partes, análises documentais e diligências técnicas, passando pelo julgamento das Câmaras Especializadas e do Plenário do Conselho. Após essa etapa, os autos seguiram para o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), instância máxima do sistema, que confirmou o cancelamento dos registros.

A decisão tem um peso simbólico que vai além da punição administrativa. Para a Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão – Brumadinho (Avabrum), ela funciona como um alerta à categoria: práticas que desrespeitem princípios éticos e comprometam a segurança pública não terão espaço na engenharia. “Essa sanção tem caráter pedagógico”, afirmou a entidade em nota.

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Tânia Rêgo/Agência Brasil

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Memória e responsabilidade técnica

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019, deixou 272 mortos e é considerado o maior acidente de trabalho da história do país. Cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos soterraram comunidades inteiras e contaminaram o Rio Paraopeba, com metais pesados como ferro, manganês, chumbo e mercúrio.

Embora o Crea reconheça que a medida não repara as perdas humanas e ambientais, o órgão afirma que a decisão reafirma a centralidade da ética e da responsabilidade técnica. “A segurança das pessoas deve estar acima de qualquer interesse”, destacou o comunicado.

A barragem era operada pela Vale S.A., que, procurada pela Agência Brasil, preferiu não comentar a suspensão dos registros. A empresa, uma das maiores mineradoras do mundo, já havia sido responsabilizada por falhas no monitoramento da estrutura e enfrenta processos judiciais e ambientais.

Junto à BHP Billiton, a Vale também é acionista da Samarco, responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015 — tragédia que matou 19 pessoas e devastou o Rio Doce. A sequência de desastres consolidou uma crise de credibilidade sobre a governança da mineração brasileira e sobre a própria noção de “desenvolvimento sustentável” adotada pelo setor.

Um país em busca de novas referências

Especialistas apontam que a punição do Crea-MG, embora tardia, representa um marco para o fortalecimento da cultura de prevenção e fiscalização. Ao mesmo tempo, expõe a lentidão dos mecanismos de responsabilização técnica no país. Levar mais de cinco anos para o cancelamento de registros de profissionais diretamente associados a um colapso estrutural de grandes proporções revela as dificuldades de articulação entre órgãos de controle, empresas e a própria Justiça.

Desde Brumadinho, normas de segurança para barragens foram revistas, e novos instrumentos de monitoramento foram criados, incluindo o Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens do Agência Nacional de Mineração (ANM). Mas ainda há lacunas — especialmente no acompanhamento de pequenas e médias estruturas e na responsabilização de empresas e dirigentes.

Mais do que um ato administrativo, o cancelamento dos engenheiros traduz um gesto político e ético: o de colocar o valor da vida acima da lógica do lucro. E reforça um recado que as famílias das vítimas vêm tentando fazer ecoar desde 2019 — que a engenharia, quando submete a segurança humana à rentabilidade, se desvia de sua própria essência.

O caso Brumadinho continua a servir como espelho da relação do Brasil com seus recursos naturais, com suas vítimas e com sua própria memória.