A poucos dias da COP30, uma mobilização popular se organiza para levar à conferência o grito de resistência dos territórios ameaçados pela expansão do agronegócio e de seus megaprojetos. Batizada de Caravana da Resposta, a iniciativa reunirá indígenas, agricultores, ribeirinhos e representantes de dezenas de organizações da sociedade civil que percorrerão mais de 3 mil quilômetros, do Mato Grosso até Belém (PA), cruzando a chamada “rota da soja”.

Ao longo de 14 dias, a caravana transformará o deslocamento em uma travessia política e cultural, com atos públicos, rodas de conversa e manifestações simbólicas em defesa da Amazônia e do Cerrado. O percurso seguirá por terra e água, atravessando estradas e rios que hoje são disputados por interesses econômicos e modos de vida tradicionais.
No trajeto final, um barco coletivo servirá de alojamento e cozinha solidária, transportando os participantes até Belém. Lá, o grupo participará das mobilizações paralelas à cúpula oficial da ONU — a Cúpula dos Povos e a COP do Povo —, espaços que buscam amplificar a voz das comunidades que vivem os impactos diretos das mudanças climáticas e da destruição ambiental.
Caminhos de resistência
A Caravana da Resposta é organizada pela Aliança Chega de Soja, articulação criada em 2024 que hoje reúne mais de 40 organizações indígenas, ambientais e sociais. O movimento surgiu como contraponto ao modelo de desenvolvimento centrado na monocultura e nas exportações agrícolas, que, segundo seus integrantes, “concentra riqueza, destrói florestas e ameaça modos de vida”.
Entre os principais alvos de crítica está a Ferrogrão — ferrovia projetada para ligar Sinop (MT) a Itaituba (PA) —, um dos símbolos da expansão logística da soja na Amazônia. O projeto, suspenso por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) após pedido de vista do ministro Flávio Dino, é apontado por pesquisadores como uma das maiores ameaças ambientais da região.
Um estudo da Climate Policy Initiative (CPI), vinculada à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), estima que a ferrovia possa provocar o desmatamento de até 49 mil km² de floresta, ampliando o desmatamento em áreas críticas e afetando populações tradicionais.

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Territórios em disputa
Além da Ferrogrão, o movimento também se posiciona contra os projetos de hidrovias nos rios Tapajós, Madeira e Tocantins, vistos como novas fronteiras logísticas para o escoamento de grãos e minérios. Para os organizadores, essas obras representam uma ameaça direta à biodiversidade aquática e à segurança alimentar de comunidades que dependem da pesca artesanal.
A liderança indígena Alessandra Munduruku, um dos rostos mais conhecidos da resistência na região, resume o espírito da mobilização: “Querem transformar nossos rios em hidrovias mortas e nossas casas em corredores logísticos. Mas nós vamos defender nossos territórios, porque disso depende o futuro de todo mundo”.
As palavras ecoam não apenas como denúncia, mas como anúncio de um outro modelo possível — aquele que valoriza a agroecologia, a pesca artesanal e os sistemas de sociobiodiversidade como alternativas concretas à monocultura.
A outra face do progresso
A Caravana da Resposta pretende também dar visibilidade às experiências comunitárias de produção sustentável. Pequenos agricultores e extrativistas participarão do trajeto apresentando soluções que conciliam produção de alimentos, preservação ambiental e autonomia local. A proposta é mostrar que há caminhos possíveis fora do modelo de “progresso” que transforma rios em canais industriais e florestas em campos de exportação.
Durante a viagem, a caravana fará paradas estratégicas em cidades e portos ao longo da BR-163, conhecida como “rodovia da soja”, e pelos rios Tapajós e Amazonas, com atividades em Miritituba e Santarém. Cada parada se tornará um palco de escuta e mobilização, conectando a pauta climática global aos desafios cotidianos das populações locais.
Ao chegar a Belém, os mais de 300 participantes somarão suas vozes às da Cúpula dos Povos, um espaço de convergência que pretende mostrar à comunidade internacional que a luta climática não se faz apenas nos pavilhões oficiais da ONU, mas nas margens dos rios, nas aldeias, nos roçados e nas cidades que resistem.
Mais do que denunciar os impactos dos megaprojetos, a caravana propõe uma pergunta essencial: que modelo de desenvolvimento o Brasil quer levar à COP30? A resposta, dizem os organizadores, não virá dos corredores diplomáticos, mas dos caminhos trilhados pela floresta e pelos povos que a mantêm viva.






































