Na manhã do último domingo (26), quem passou pela Avenida Paulista, em São Paulo, se deparou com uma cena inusitada: um boleto bancário gigante, de oito metros de largura, estampava a cifra simbólica de R$ 1,6 trilhão. A ação, criada pela Aliança dos Povos pelo Clima, integra a campanha A Gente Cobra – Financiamento Climático Direto para Quem Cuida da Floresta, e busca chamar a atenção para a chamada “dívida climática” — o desequilíbrio histórico entre os países que mais poluem e aqueles que mais sofrem com os impactos da crise ambiental.

A instalação também ocorreu simultaneamente em Brasília, Recife, Santarém e na região do Xingu, ampliando o alcance simbólico de uma mensagem que ecoa cada vez mais perto da COP30, conferência da ONU sobre mudança do clima, marcada para novembro de 2025, em Belém (PA).
O boleto, em tom de manifesto visual, trazia uma data de vencimento provocativa: 21 de abril de 1500 — o dia da chegada dos colonizadores portugueses ao território que hoje é o Brasil. A mensagem, nas palavras de Jonaya de Castro, integrante do coletivo Unidos pelo Clima, é clara: “Esse boleto já está vencido. O Sul global paga há séculos por uma colonização que nunca terminou — ela apenas mudou de forma.”
Uma cobrança histórica
A metáfora do “boleto vencido” busca expor as contradições do sistema internacional de financiamento climático. Países do Norte global — principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa desde a Revolução Industrial — ainda destinam uma parcela mínima de recursos para as nações e comunidades que preservam os maiores biomas do planeta.
A campanha da Aliança dos Povos pelo Clima reivindica que 50% dos fundos climáticos internacionais sejam repassados diretamente aos povos indígenas, comunidades tradicionais e organizações locais, que atuam na linha de frente da proteção ambiental. “Quem mantém a floresta de pé precisa ser o primeiro a receber apoio financeiro, não o último na fila”, reforça Jonaya.
A proposta também exige que representantes dessas comunidades tenham assento nos conselhos deliberativos que administram esses fundos. A ideia é que as decisões sobre o destino do dinheiro não sejam tomadas apenas por governos e instituições financeiras, mas também por quem vive e defende os territórios ameaçados.
Outro ponto da campanha é a taxação das grandes fortunas — um chamado global para que parte das riquezas acumuladas por corporações e elites econômicas seja revertida em políticas de mitigação e adaptação climática.

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A conta da desigualdade
O valor simbólico de R$ 1,6 trilhão, impresso no boleto, traduz a estimativa de quanto os países ricos “devem” em termos de compensação histórica pelos danos ambientais causados. A conta é política, mas também moral. Ela reflete o custo acumulado de séculos de exploração, desigualdade e desmatamento que afetaram o equilíbrio ecológico global.
Segundo Jonaya, a cobrança não é apenas financeira — é civilizatória. “Quando a gente fala em dívida climática, estamos falando da reparação de um modelo de desenvolvimento que concentrou riqueza em poucos e empobreceu a terra de muitos. É hora de inverter essa lógica.”
O simbolismo da data de vencimento remete à colonização e ao início de um processo de expropriação que persiste sob novas formas. O colonialismo econômico se transformou em colonialismo climático: países e empresas continuam extraindo recursos naturais e emitindo poluentes, enquanto comunidades do Sul global enfrentam secas, inundações e perda de biodiversidade.
A COP30 e o chamado por justiça
A instalação do boleto acontece a poucas semanas da COP30, que será realizada em Belém (PA). O evento, o mais importante fórum internacional sobre mudanças climáticas, deve colocar em pauta temas como financiamento verde, transição energética e justiça climática.
Para os movimentos sociais que organizam a campanha, a escolha da Amazônia como sede da conferência reforça o papel do Brasil e dos povos da floresta como protagonistas da luta climática. “O mundo olha para a Amazônia como pulmão do planeta, mas quem cuida dela ainda respira desigualdade”, diz Jonaya.
O gesto performático do boleto gigante antecipa o tom das reivindicações que devem marcar o encontro global. A cobrança, dessa vez, não vem dos bancos — vem das florestas, das águas e das vozes que resistem.
Uma cobrança que ecoa
A imagem do boleto, instalada em plena Avenida Paulista, ganha força como símbolo de resistência e denúncia. Em meio a arranha-céus, ela expõe o contraste entre o centro financeiro do país e a realidade das comunidades que garantem o equilíbrio climático global.
Mais que uma instalação artística, o “boleto da dívida climática” é um lembrete de que o tempo para adiar compromissos acabou. A cobrança é global, mas o destinatário é conhecido: os países e empresas que lucraram com o desequilíbrio ambiental agora são chamados a pagar — não com promessas, mas com ações concretas.







































