Projeto amazônico leva comunidades ribeirinhas para o centro da agenda climática


A Amazônia entra em cena na COP30 com algo mais que floresta — ganha protagonismo social. Um projeto social conduzido por uma pesquisadora paraense vai representar o Estado do Amazonas na delegação brasileira, como único iniciativa daquela unidade da Federação com foco em justiça climática e renda verde. 
Desenvolvido pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e coordenado pela Profa. Dra. Adriana Almeida Lima, o programa parte da premissa de que comunidades ribeirinhas e tradicionais precisam não só ser contempladas, mas tornarem-se protagonistas da conservação. “Nossa motivação foi reconhecer o papel dessas comunidades na preservação da floresta e garantir retorno econômico direto para elas”, diz a pesquisadora.

Profa. Dra. Adriana Almeida Lima - Divulgação

A aprovação da candidatura ao evento climático, na categoria “Sociedade Civil”, foi confirmada ainda em outubro, abrindo caminho para o Amazonas integrar os debates internacionais.

Uma mudança profunda no paradigma da conservação

Tradicionalmente, projetos de mercado de carbono na Amazônia beneficiam grandes terras privadas ou empresas externas — fato que gera exclusão das comunidades que vivem no território. A pesquisadora identificou que 95% dos projetos de crédito de carbono estavam em terras privadas, deixando do lado de fora aqueles que guardam a floresta no cotidiano.
Esse diagnóstico tornou-se a base para uma proposta inovadora, que combina governança comunitária, monitoramento tecnológico, divisão transparente de benefícios e um modelo de gestão que conecta planejamento territorial, licenciamento, educação ambiental, saneamento, biodiversidade e clima.

Ao estruturar esse modelo, a iniciativa rompe com a lógica assistencialista — em que a comunidade aparece como objeto passivo — e tenta colocar a comunidade como sujeito ativo: formada, capacitada, participante das decisões e beneficiária direta dos créditos de carbono gerados na própria floresta.

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Digulgação – UEA

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Implementação local, impacto global

O projeto será implementado inicialmente nos municípios de Careiro da Várzea e Careiro Castanho, no Amazonas. Nessas localidades estão previstos mapeamento territorial e humano por software próprio, formação de agentes ambientais entre jovens e lideranças comunitárias, diagnóstico técnico de carbono sequestrado, mediação com saberes tradicionais, protocolos éticos, contratos justos e integração entre setores — tudo com base comunitária.
O projeto se propõe a ultrapassar modelos anteriores estados-afins como o Estado do Acre, ao articular áreas que frequentemente ficam isoladas: licenciamento, saneamento, resíduos, planejamento territorial, biodiversidade e clima. Um dos objetivos é posicionar o Amazonas como referência global em políticas públicas de carbono com base científica, participação social e governança ambiental.

Adriana Almeida ressalta que, embora a ciência e a tecnologia sejam essenciais, apenas funcionam quando aplicadas com sensibilidade territorial — quando respeitam a cultura, a tradição e a singularidade da floresta amazônica. Nesse sentido, o “trabalho verde” que combina desenvolvimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental aparece como pilar para a política pública nas regiões ribeirinhas.

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Divulgação

Desafios e caminhos

O caminho está longe de ser simples. A pesquisadora aponta para obstáculos como a falta de regulamentação específica para créditos comunitários de carbono, a burocracia de acesso legal a territórios e a necessidade de construir confiança com as comunidades. “Muita coisa precisaria ser feita”, resume.
Esses desafios exigem articulação institucional — entre universidades, comunidades, órgãos ambientais, Estado e mercado de carbono — além de investimentos, capacitação e tecnologias acessíveis ao nível comunitário. O fato de integrar instituições como a UEA, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Instituto Federal do Amazonas (IFAM) seu projeto reflete essa articulação.

Significado para a COP30 e além

Na COP30, o projeto atua como símbolo de uma Amazônia que exige inclusão real no debate global sobre mudança climática. Não se trata apenas de proteger florestas, mas de garantir que aqueles que vivem nelas participem dos resultados, redirecionem os benefícios e se afirmem como agentes de suas próprias vidas e territórios. Esse passo é fundamental para a justiça climática — que não apenas mitiga emissões, mas redistribui poder.

O papel da pesquisadora paraense e de sua equipe revela isso: levar para o evento diplomático um modelo que toca questões de biodiversidade, economia verde, comunidades ribeirinhas, governança e direitos — tudo junto. Ao fazer isso, eles mostram que a Amazônia não é só bioma a ser salvo, mas território com pessoas que têm voz e agência.