A relação entre fome, pobreza e emergência climática voltou ao centro das discussões globais durante a COP30, realizada em Belém. Em um dos debates mais aguardados da conferência, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que a fome e a crise climática são faces de um mesmo problema — e que enfrentá-las separadamente é um erro estratégico.

O argumento da ministra ecoa uma constatação cada vez mais visível no Brasil e no mundo: os eventos climáticos extremos não apenas destroem ecossistemas, mas também as bases da segurança alimentar e econômica. “As pessoas perdem seus sistemas alimentares, seus locais de trabalho, quando há uma enchente, um tufão ou um furacão, agravados pela mudança do clima. Elas ficam mais vulneráveis”, afirmou Marina, ao citar o tornado que atingiu o Paraná dias antes, arrasando comunidades e ceifando vidas.
O encontro — intitulado “Combate à Pobreza para a Justiça Climática” — reuniu ministros e autoridades de diferentes países em um diálogo sobre como políticas sociais e ambientais podem convergir para criar resiliência. A sessão foi conduzida em formato ministerial de alto nível e marcou um dos momentos de maior adesão política dentro da programação da COP30.
Desigualdade e clima no mesmo eixo
Ao defender que o enfrentamento da desigualdade e da mudança climática sejam tratados de forma integrada, Marina destacou que “é perfeitamente possível — e necessário — pensar o combate à pobreza e à crise climática como um único processo de transformação”. Segundo ela, não há sustentabilidade possível sem justiça social.
A ministra ressaltou que políticas públicas precisam ir além da mitigação de emissões e incorporar metas de proteção a populações vulneráveis. Essa abordagem, afirmou, é o único caminho para garantir que a transição ecológica seja também uma transição justa. O conceito, já defendido em fóruns internacionais, vem ganhando espaço em iniciativas como o Plano Clima, em fase de revisão pelo governo brasileiro, e em discussões sobre o Fundo Verde para o Clima, mantido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

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O papel da agricultura e dos povos tradicionais
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, reforçou durante o evento a importância de fortalecer as redes de proteção social diante dos desastres climáticos. Segundo ele, as políticas de transferência de renda e a agricultura familiar são pilares essenciais da resposta brasileira à insegurança alimentar e aos impactos ambientais.
“Não há segurança alimentar nem resiliência climática sem aqueles que cuidam da terra, das águas e das sementes”, declarou Dias. “A agricultura familiar fornece a maior parte dos nossos alimentos, enquanto os povos tradicionais são guardiões de técnicas ancestrais de plantio e da diversidade genética que sustenta nossas mesas.”
O ministro defendeu que a “floresta produtiva” — conceito que une conservação, inclusão social e geração de renda — deve ser vista como um modelo de desenvolvimento nacional. Essa visão se alinha a iniciativas já em curso, como o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e programas de restauração de áreas degradadas liderados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.
Declaração de Belém: um pacto global
O debate foi reforçado pela recente Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas, aprovada em 7 de novembro por 43 países e a União Europeia durante a Cúpula do Clima. O documento, construído com forte protagonismo do Brasil, reconhece a interdependência entre ação climática e proteção social — e propõe que os programas de combate à fome sejam tratados como instrumentos de mitigação e adaptação.
A ministra da Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha, Reem Alabali-Radovan, elogiou a liderança brasileira na formulação da declaração. Para ela, o texto representa “um passo pioneiro na articulação entre ação climática, proteção social e segurança alimentar”. A ministra destacou ainda que “a proteção do planeta e das pessoas deve caminhar lado a lado”, e que a agricultura sustentável é peça central para garantir que ninguém seja deixado para trás.
Um novo pacto entre justiça e clima
A participação de Marina Silva e Wellington Dias simboliza a tentativa do Brasil de se posicionar como mediador global entre as agendas ambiental e social. Ao unir fome e clima em uma mesma narrativa, o país aposta em um discurso que busca influenciar o eixo central das negociações da COP30: a implementação real e equitativa do Acordo de Paris.
Belém, cidade-sede da conferência, tornou-se neste contexto um palco emblemático. No coração da Amazônia, o debate sobre a fome e o clima deixa de ser abstrato e ganha contornos humanos — o de comunidades que vivem entre a abundância natural e a ameaça constante de perder tudo.






































