À medida que a COP30 avança em Belém, uma discussão essencial ganha profundidade: a proteção das florestas tropicais e o papel que a ciência desempenha para garantir que esse esforço seja real, mensurável e financeiramente sustentável. Para a pesquisadora Maria Vincenza Chiriacò, especialista do Centro Euro-Mediterrânico sobre Mudanças Climáticas (CMCC) e integrante da delegação italiana nas negociações sobre Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra (AFOLU), preservar uma floresta é tão desafiador quanto restaurá-la. E, sobretudo, exige comprovação rigorosa de que a proteção não ocorreria sem intervenções concretas.

Esse debate se torna especialmente relevante diante de uma das principais iniciativas apresentadas na conferência: o Tropical Forest Forever Facility (TFFF). O mecanismo pretende mobilizar bilhões de dólares para recompensar países tropicais pela manutenção de suas florestas em pé, complementando sistemas já existentes, como o REDD+ e os mercados de carbono do Artigo 6 do Acordo de Paris. Na Europa, iniciativas como o Carbon Farming sob o Carbon Removals Certification Framework (CRCF) também buscam avançar na contabilidade de remoções.
Mas, como aponta Chiriacò, um obstáculo conceitual decide o destino de todos esses instrumentos: a adicionalidade. Em outras palavras, os países só devem receber pagamentos por resultados que não ocorreriam espontaneamente, sem ações de proteção. Criar uma nova floresta ou melhorar o carbono no solo costuma atender facilmente esse critério. Já provar que manter uma floresta existente requer esforços extraordinários é mais complexo. Ainda assim, é justamente aí que a ciência se torna decisiva.
O TFFF busca contornar essa discussão ao remunerar países que mantenham taxas de desmatamento abaixo de 0,5%. Quase toda a lógica do mecanismo se baseia nos resultados observados. Os pagamentos são proporcionais à cobertura florestal total, mas sofrem descontos caso haja perda ou degradação. A cada hectare desmatado, por exemplo, o desconto simula a perda de 100 hectares quando a taxa nacional está abaixo de 0,3% ou de 200 hectares quando está entre 0,3% e 0,5%. Em áreas degradadas por fogo, aplica-se a regra de 1 para 35. Esses coeficientes poderão ser atualizados à medida que novas evidências científicas forem consolidadas.

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O desenho do TFFF reconhece algo fundamental: proteger florestas exige investimento constante, capacidade institucional e monitoramento sofisticado. Como explica Chiriacò, a floresta protegida tende a parecer, superficialmente, igual ao que era antes. Mas conservar um ecossistema diante de avanços da fronteira agrícola, mudanças climáticas e pressões ilegais não é um processo automático. É resultado de trabalho contínuo, e a ciência é responsável por mostrar quando esse esforço faz diferença.
Um de seus estudos recentes reforça essa urgência. A pesquisa demonstra que o risco global de incêndios deve crescer drasticamente ao longo do século, afetando até 91% das regiões propensas ao fogo. Até 2040, pelo menos 55% desses territórios enfrentarão aumento significativo na probabilidade de incêndios, independentemente do cenário de emissões. Regiões como o Mediterrâneo, partes da América do Sul, norte da Ásia e áreas do sul da África estão entre as mais vulneráveis.
A lógica é clara: se o risco de incêndio aumenta exponencialmente, impedir que uma floresta desapareça não é uma atitude passiva, mas uma intervenção concreta contra uma ameaça real. Assim, o TFFF desponta como mecanismo potencialmente complementar ao REDD+ e ao Artigo 6, ao remunerar a manutenção dos ecossistemas e não apenas o carbono capturado. Mesmo assim, questões de precificação ainda precisam ser equacionadas: pagamentos estimados de cerca de 4 dólares por hectare contrastam com valores do mercado voluntário de carbono, no qual uma floresta pode gerar aproximadamente 10 créditos por hectare, cada um valendo cerca de 30 dólares.
Uma característica essencial do TFFF é direcionar ao menos 20% dos recursos para comunidades indígenas e locais, reconhecendo seu papel central na proteção florestal. Ainda assim, como destaca Chiriacò, cada floresta requer estratégias distintas. Enquanto muitas florestas europeias são plantadas de forma homogênea e, portanto, vulneráveis a pragas e distúrbios, grande parte das florestas tropicais ainda mantém elevado grau de diversidade biológica — embora sob intenso risco de expansão agropecuária e eventos extremos.
Para que mecanismos como o TFFF e o Artigo 6 funcionem, reforça a pesquisadora, eles precisam se basear em sistemas transparentes, verificáveis e cientificamente robustos. Sem isso, abrem espaço para greenwashing e fragilizam a confiança internacional. A ciência, ao mapear riscos, quantificar ameaças e orientar prioridades, transforma a adicionalidade de um impasse político em um critério mensurável.
À medida que a COP30 avança, a questão central não é mais se devemos proteger as florestas, mas sim se seremos capazes de demonstrar, com precisão e credibilidade, que essa proteção é real, adicional e sustentada pelas melhores evidências científicas disponíveis.







































