Revisão do IBGE redefine fronteiras do Cerrado e da Mata Atlântica


A mais recente revisão dos limites territoriais da Mata Atlântica e do Cerrado, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reacendeu debates sobre como o Brasil interpreta, classifica e protege seus biomas. Diferentemente do que costuma mobilizar manchetes — desmatamento, degradação, expansão agrícola — a mudança não tem relação com transformações físicas recentes na paisagem, mas com um aperfeiçoamento técnico que redesenha, com maior precisão, onde começa e onde termina cada bioma.

Fernando Frazão/Agência Brasil

O relatório divulgado nesta terça-feira (18) mostra números que, à primeira vista, parecem contraditórios ao imaginário comum: o Cerrado ganhou 1,8% de área, enquanto a Mata Atlântica perdeu 1%. A reconfiguração aconteceu sobretudo na divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, justamente na zona onde formações de transição sempre desafiaram classificações rígidas.

Segundo o IBGE, a mudança resulta de uma análise mais refinada apoiada em critérios como clima, geologia, geomorfologia, pedologia e fisionomias vegetais. Esse conjunto multidisciplinar permite identificar nuances essenciais que, muitas vezes, diferenciam savanas arborizadas de florestas estacionais. A revisão revelou cerca de 19.869 km² passíveis de adequação — uma área expressiva quando comparada a territórios municipais inteiros.

Em Minas Gerais, a nova delimitação ampliou a presença da Mata Atlântica em torno da Região Metropolitana de Belo Horizonte, incorporando não apenas a capital, mas também áreas ao norte da cidade. É uma mudança relevante, pois significa que zonas antes classificadas como Cerrado passam a integrar um bioma regido por uma das legislações ambientais mais antigas e reconhecidas do país, a Lei da Mata Atlântica.

Em São Paulo, o movimento foi inverso. O Cerrado se expandiu, sobretudo no centro-norte do estado, região em que a vegetação de savana já possui forte representação histórica, apesar das perdas acumuladas ao longo do século XX. Ali, o bioma conta com legislação específica desde 2009, e a atualização dos limites tende a reforçar instrumentos de proteção e monitoramento.

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Os municípios afetados pela revisão ilustram o caráter híbrido dessas paisagens: em Minas Gerais, cidades como Sacramento, Uberaba, Fronteira, Planura, São Sebastião do Paraíso, Diamantina, Conceição do Mato Dentro, Belo Horizonte, Florestal e Juatuba foram reavaliadas. Em São Paulo, localidades como Franca, Barretos, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Piracicaba, Mococa e Votuporanga foram incluídas nas áreas de transição ajustadas.

A revisão atual integra um processo contínuo que teve início em 2019, quando o IBGE lançou a publicação Biomas e Sistema Costeiro Marinho do Brasil, documento que modernizou a escala de mapeamento nacional. A mudança — de uma escala de 1:5 milhões para 1:250 mil — ampliou substancialmente o nível de detalhe da cartografia territorial brasileira. Com isso, as revisões periódicas tornaram-se indispensáveis para ajustar, validar e corrigir limites à medida que novas informações científicas chegam.

Essas atualizações não acontecem apenas diante de computadores. O trabalho envolve uma rede de especialistas e o acúmulo de expedições de campo em regiões alvo de dúvidas ou questionamentos, seja por parte de organizações ambientais, seja por instituições governamentais relacionadas ao meio ambiente. Ao todo, cinco expedições já foram realizadas no âmbito do processo.

Embora a revisão não represente alteração ambiental real — não há ganho ou perda efetiva de cobertura vegetal — seu impacto jurídico e político é relevante. A redefinição das áreas influencia políticas públicas, regras de licenciamento, instrumentos de proteção e até os critérios de monitoramento do desmatamento. Em biomas fortemente pressionados, como Cerrado e Mata Atlântica, conhecer com exatidão seus limites é mais do que um exercício cartográfico: é um passo decisivo para que políticas ambientais sejam eficazes e baseadas em evidências.

À medida que o país atualiza seu entendimento sobre o território, torna-se mais capaz de medir, planejar e responder aos desafios da conservação. A precisão, aqui, não é mera formalidade: é um instrumento estratégico para proteger dois dos biomas mais ameaçados do Brasil.