O anúncio do chamado blue package, feito em Belém pela enviada especial da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, marca uma inflexão importante no papel dos oceanos dentro da agenda climática global. Marinez Scherer, nomeada para representar os temas marinhos no processo negociador, revelou que a iniciativa reúne cerca de 70 soluções capazes de colocar o oceano no centro das decisões sobre mitigação, adaptação e investimentos de longo prazo. Segundo ela, essas medidas podem cortar até 35% das emissões globais de dióxido de carbono até 2050, contribuindo de forma decisiva para manter o planeta dentro do limite de 1,5°C de aquecimento.

A iniciativa foi construída de forma conjunta por especialistas brasileiros, representantes de atores não estatais e pela presidência da COP30, que neste ano ocorre em Belém. O blue package nasce não apenas como um documento de referência, mas como um roteiro prático para acelerar políticas, mobilizar capitais, orientar governos e criar instrumentos que permitam transformar soluções marinhas em ações efetivas.
Marinez Scherer enfatizou que a COP finalmente reconhece o oceano como um componente essencial da estabilidade climática. Em suas palavras, restaurar e proteger zonas costeiras e ecossistemas marinhos é garantir que o oceano continue a exercer sua função de principal regulador do clima planetário. A declaração sintetiza um entendimento cada vez mais consolidado: sem oceanos saudáveis, não há transição climática possível.
O pacote azul organiza iniciativas que vão muito além da conservação tradicional. Inclui caminhos para expandir energias renováveis oceânicas, acelerar a descarbonização do transporte marítimo, desenvolver cadeias de aquicultura sustentável, qualificar o turismo costeiro, estimular inovação empresarial voltada ao mar e melhorar o relacionamento cotidiano entre sociedades e ambientes marinhos. Também explora alternativas para a transição das plataformas de petróleo e gás offshore em direção a sistemas de baixo carbono.
Essas soluções cumprem objetivos de mitigação e adaptação, reforçam a proteção da biodiversidade, ampliam a segurança alimentar e fortalecem a resiliência das comunidades costeiras. Para que possam sair do papel, o pacote projeta uma necessidade de investimento entre 130 e 170 bilhões de dólares. Os números, segundo os organizadores, servem para orientar ministérios da Fazenda, bancos de desenvolvimento e investidores privados quanto à escala real das oportunidades econômicas ligadas ao oceano.
A enviada especial afirma que a mobilização desse capital depende de três pilares: regulações adequadas, instrumentos que reduzam riscos e modelos de blended finance capazes de atrair diferentes perfis de financiadores. Além disso, reforça que qualquer implementação concreta dependerá de mecanismos eficazes de responsabilização, capazes de garantir transparência e governança na aplicação dos recursos.
Um dos anúncios mais celebrados do dia foi o lançamento do Ocean Breakthroughs Dashboard, uma ferramenta digital destinada a monitorar o avanço das iniciativas oceanográficas no contexto climático. Ela entrou no ar no dia 17 e foi apresentada como um novo contrato social para a proteção dos mares. A ideia é permitir que governos, empresas, pesquisadores e sociedade civil acompanhem indicadores de progresso e alinhem compromissos nacionais com metas internacionais.

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Marinez Scherer insistiu na importância de integrar o oceano aos planos climáticos de cada país, argumentando que a proteção marinha precisa estar no mesmo patamar das florestas e da biodiversidade. Na visão dela, só assim será possível construir estratégias coerentes com a noção de que vivemos em um único sistema planetário, no qual oceanos, continentes e atmosfera interagem e sustentam a vida.
O movimento já demonstra resultados concretos. Dezessete países assumiram o compromisso de incorporar o oceano em suas versões atualizadas dos planos climáticos nacionais. Além do Brasil e da França, a iniciativa já conta com Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau, República das Seychelles, Chile, Madagascar e Reino Unido. A COP30 também marcou a entrada de Bélgica, Camboja, Canadá, Indonésia, Portugal e Singapura, que anunciaram sua adesão à plataforma.
A convergência de compromissos indica que a diplomacia climática marítima avança para um novo estágio, no qual políticas oceânicas não são vistas apenas como iniciativas ambientais, mas como alavancas estratégicas para segurança alimentar, manutenção da estabilidade climática e criação de mercados sustentáveis.
Ao transformar ciência, planejamento e cooperação internacional em um pacote de ações pragmáticas, o blue package busca inaugurar um ciclo em que os oceanos deixam de ser tratados como fronteiras distantes e passam a ocupar o centro da transição global para um planeta mais resiliente.







































