A COP30, realizada em Belém, reforçou uma percepção que vem se consolidando nos últimos anos: a transição para uma economia de baixo carbono passa, de forma inevitável, pela floresta amazônica e pelos povos que nela vivem. Nesse cenário, a cooperação franco-brasileira ganhou novo fôlego com iniciativas dedicadas à bioeconomia, articuladas sobretudo pelo Programa AMABIO – um esforço conjunto que une financiamento sustentável, conhecimento tradicional e inovação socioprodutiva.

O programa, financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e implementado pela Expertise France, busca transformar compromissos diplomáticos entre Brasil e França em ações concretas. Durante a conferência, as instituições promoveram, em parceria com o Banco da Amazônia, uma agenda intensa voltada à valorização de iniciativas comunitárias e ao fortalecimento de cadeias da sociobiodiversidade. Uma das atividades mais aguardadas ocorreu na Green Zone, com a apresentação dos projetos selecionados pelo Edital AMABIO, que destinou R$ 4 milhões para organizações dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Maranhão.
O edital, lançado em junho, contemplou 27 iniciativas de base comunitária, cooperativas, startups e pequenas empresas que atuam em territórios amazônicos. Ali, representantes de associações rurais, coletivos de mulheres extrativistas e institutos de assistência social mostraram como a bioeconomia pode gerar renda, fortalecer identidades locais e ampliar perspectivas para suas comunidades.
Na cerimônia, vozes diversas ajudaram a traduzir a dimensão prática do programa. A agricultora Maria Oenice Xavier, da Associação de Produtores Rurais da Colônia Alto Coaraci (APRAC), explicou que a implantação de sistemas agroflorestais não responde apenas às demandas produtivas, mas também à permanência digna no território. Sua fala trouxe um recado recorrente entre os participantes: inovação tecnológica, quando conectada ao conhecimento tradicional, torna-se ferramenta de autonomia.
Outro exemplo veio do Instituto de Assistência Social e Educacional Apoema, representado pelo antropólogo Jean Pacheco. O projeto Raízes que Florescem, voltado ao fortalecimento de mulheres extrativistas da Ilha do Combu, mostrava como iniciativas historicamente voluntárias podem ganhar escala e estrutura quando encontram apoio financeiro e institucional. A organização já trabalha com biojoias, óleos essenciais e artesanato, e agora vislumbra ampliar suas ações, consolidando um arranjo produtivo sustentável e liderado por mulheres.

O público no stand do Banco da Amazônia, Green Zone, participou ativamente das ações. Foto: Rodrigo Lima/Agência Filadélfia
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Para a chefe do Programa AMABIO na Expertise France, Janaína Galvão, a bioeconomia amazônica demanda uma articulação que vai muito além do financiamento. Em sua análise, é preciso integrar bancos públicos, universidades, setor privado e agências internacionais, mas sempre colocando povos e comunidades tradicionais no centro. Esse enfoque explica o desenho do programa, que valoriza processos participativos e reconhece que a Amazônia já abriga redes consolidadas de resistência e inovação.
Executivos da AFD e do Banco da Amazônia reforçaram essa interpretação. Segundo Matthieu Le Grix, chefe da divisão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Biodiversidade da AFD, o banco público francês busca apoiar cadeias de valor capazes de conservar a natureza, mitigar a crise climática e gerar benefícios sociais tangíveis. Para ele, a bioeconomia amazônica reúne essas três condições, justificando os investimentos realizados por meio do AMABIO.
Já Samara Farias, gerente executiva do Banco da Amazônia, ressaltou que a parceria com AFD e Expertise France tem ajudado a consolidar uma nova forma de fazer política de desenvolvimento, alicerçada no diálogo direto com quem produz na floresta. A combinação de crédito, assistência técnica e cooperação internacional tem se mostrado essencial para transformar a bioeconomia em um caminho real de oportunidades.
A cooperação franco-brasileira ganhou mais profundidade em uma reunião realizada na sede do Banco da Amazônia, em que representantes dos projetos dialogaram com Jérémie Pellet, diretor-geral da Expertise France, e Dominique Hautebergue, diretor regional da AFD no Brasil e Cone Sul. Ali, experiências de diferentes territórios se encontraram, revelando tanto os desafios quanto o potencial da economia de base comunitária. O encontro destacou a centralidade da Amazônia para a agenda global de implementação climática e reafirmou o compromisso do Grupo AFD em apoiar soluções que valorizem a floresta em pé.
A partir dessas trocas, ficou evidente que a bioeconomia amazônica não é um conceito abstrato, mas um processo vivo, moldado por agricultores, extrativistas, jovens empreendedores, lideranças indígenas e organizações que traduzem a biodiversidade em conhecimento, trabalho e renda. O AMABIO, sediado em Belém, surge como ponte entre esses saberes e estruturas de financiamento, mobilizando recursos e fomentando negócios sustentáveis que dialogam diretamente com o território.
Na COP30, a França e o Brasil reafirmaram que suas estratégias de cooperação caminham lado a lado com os desafios da floresta. Mais do que projetos isolados, trata-se de construir um ecossistema de desenvolvimento que concilie inovação, justiça social e conservação ambiental. A bioeconomia amazônica, como mostraram os participantes, não é apenas uma agenda do futuro: ela já está acontecendo.













































