Jovens de 12 a 14 anos tornam-se guardiões de cavalos-marinhos no Rio


A Laguna de Araruama, um dos ecossistemas mais singulares da Região dos Lagos, tornou-se cenário de uma experiência educativa inédita que alia conhecimento científico, pertencimento e ação comunitária. Nesta segunda-feira, o Projeto Cavalos-Marinhos concluiu a formação da primeira turma de guardiões dos cavalos-marinhos: 31 jovens entre 12 e 14 anos que, ao longo de três meses, mergulharam – literalmente e metaforicamente – na dinâmica ambiental da lagoa mais salgada do mundo.

Projeto Cavalos-Marinhos/Divulgação

A iniciativa, realizada em parceria com a Prefeitura de Iguaba Grande, buscou muito mais do que transmitir informações ecológicas. A proposta era cultivar nos participantes uma relação afetiva com o território. Para isso, o grupo frequentou o Espaço Educativo Cavalos-Marinhos e, no final de novembro, realizou o primeiro mergulho de monitoramento na Praia dos Ubás. A coordenadora do projeto, Natalie Freret-Meurer, descreve o objetivo central como um processo de apropriação: compreender a laguna como espaço de vida, memória e responsabilidade compartilhada.

Segundo ela, o cavalo-marinho é um símbolo potente dessa conexão. Frágil, carismático e altamente sensível às mudanças ambientais, ele funciona como um espelho da saúde da laguna. Mostrar aos jovens que esse animal vive ali, ao alcance dos olhos, faz com que o cuidado ambiental deixe de ser abstrato. O que antes parecia distante transforma-se em urgência cotidiana.

Com o encerramento da formação, os adolescentes passam a atuar como guardiões oficiais da laguna. O papel que assumem vai além do monitoramento: trata-se de observar, refletir e orientar. Eles acompanharão práticas realizadas às margens da Araruama, identificando avanços e problemas, e reforçando entre moradores e visitantes a importância de proteger a qualidade da água e evitar o descarte de resíduos. Para Natalie, o aprendizado busca formar agentes que entendam que suas pequenas escolhas influenciam diretamente o futuro do ecossistema.

O projeto contou ainda com o apoio de iniciativas ambientais parceiras que ampliaram o repertório dos jovens. Educadores do Projeto Albatroz falaram sobre aves marinhas; o Projeto Mantas do Brasil tratou da conservação de raias; e o instituto BW abordou o resgate e a reabilitação de fauna debilitada. A formação multidisciplinar ajudou a contextualizar o cavalo-marinho dentro de uma teia mais ampla de relações ecológicas.

Uma das orientações centrais compartilhadas com os guardiões foi a proibição de capturar cavalos-marinhos, prevista na norma 455 do Ministério do Meio Ambiente. Apenas pesquisadores autorizados podem manipular o animal. A regra reforça o grau de vulnerabilidade da espécie e a necessidade de preservação. O Projeto Cavalos-Marinhos, que completa 23 anos de atuação e é apoiado pelo Programa Petrobras Socioambiental, desenvolve há décadas pesquisas, ações educativas e iniciativas sociais que dialogam com essa proteção.

Uma dessas frentes se realiza com mulheres caiçaras, que aprendem a produzir biojoias a partir de redes descartadas e escamas de peixe reaproveitadas. A ação demonstra como conservação ambiental e geração de renda podem caminhar juntas, especialmente quando associadas ao uso sustentável de recursos. O projeto também apoia a formação de professores, a capacitação de guardas-parque e atividades de educação ambiental que articulam ciência e comunidade.

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Projeto Cavalos-Marinhos/Divulgação

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A coordenadora destaca que todas as ações seguem o conceito de saúde única: a compreensão de que um ambiente saudável beneficia animais, humanos e todo o ecossistema. A ideia norteia decisões que colocam a vida como prioridade, reforçando a interdependência entre os diferentes seres e ambientes da laguna.

Para quem encontra um cavalo-marinho, as orientações são claras: observar, nunca tocar e registrar a localização no site do projeto. Caso o animal esteja morto, o grupo solicita o envio de mensagem pelo WhatsApp para recolhimento e uso em estudos científicos. Animais feridos também podem ser reportados para avaliação e possível reabilitação. Denúncias de crimes ambientais devem ser encaminhadas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pela linha gratuita 0800 61 8080 ou por e-mail.

A formação dos jovens guardiões mostra que a defesa da laguna não depende apenas de políticas públicas, mas também de uma nova geração capaz de compreender que cuidar do ambiente é, antes de tudo, cuidar de si. Na região dos Lagos, proteger cavalos-marinhos é também proteger histórias, paisagens e relações que se renovam diariamente à beira d’água.