Plano Clima aprovado traça rumo das políticas ambientais até 2035


Um plano para organizar o futuro climático do país

A aprovação do Plano Clima pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima marca um passo decisivo na tentativa do Brasil de organizar sua resposta à crise climática até 2035. Mais do que um documento técnico, o plano nasce com a ambição de funcionar como um grande eixo orientador de políticas públicas, investimentos privados e decisões estratégicas em diferentes níveis de governo. Com publicação prevista no Diário Oficial da União, o Plano Clima passa a ser, oficialmente, o mapa que conecta compromissos internacionais, planejamento interno e ações concretas de mitigação e adaptação.

Valter Campanato/Agência Brasil

Sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o plano reúne duas grandes frentes: a Estratégia Nacional de Mitigação e a Estratégia Nacional de Adaptação, além de um conjunto de planejamentos setoriais. A proposta reconhece que o enfrentamento da mudança do clima exige, ao mesmo tempo, reduzir emissões de gases de efeito estufa e preparar o país para eventos extremos que já fazem parte do cotidiano, como secas prolongadas, chuvas intensas e ondas de calor.

A lógica central do Plano Clima é integrar esforços. Ele não se limita ao governo federal, nem se restringe a ações ambientais clássicas. O documento foi desenhado para dialogar com estados, municípios, empresas, setor financeiro e sociedade civil, criando referências comuns para decisões que impactam o desenvolvimento econômico e social do país.

Mitigar, adaptar e transformar: o coração do Plano Clima

Na explicação do secretário nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Aloisio Lopes de Melo, o Plano Clima organiza suas diretrizes em 24 grandes agendas de trabalho. Dessas, 16 são voltadas à adaptação, ou seja, à preparação do país para conviver com os impactos do aquecimento global. Outras oito se concentram na mitigação, buscando atacar as causas do problema por meio da redução das emissões.

Na prática, isso significa orientar políticas de mobilidade urbana mais sustentáveis, incentivar o uso de transporte coletivo, acelerar a eletrificação de frotas, ampliar o uso de biocombustíveis e reduzir a dependência de combustíveis fósseis nas cidades. Também envolve repensar o planejamento urbano, a gestão de recursos hídricos, a produção agrícola e a infraestrutura energética.

O plano estabelece que essas transformações precisam ocorrer até 2035, prazo alinhado com os compromissos internacionais do Brasil. O objetivo é duplo: contribuir para que o aquecimento global não ultrapasse 1,5 grau Celsius e, simultaneamente, fortalecer a resiliência do país diante de um clima cada vez mais instável.

Outro ponto central é o papel do setor privado. O Plano Clima propõe mecanismos para ampliar o acesso a financiamentos voltados a atividades de baixo carbono, sinalizando para o mercado onde estão as prioridades nacionais. A ideia é reduzir riscos, orientar investimentos e estimular inovação, criando um ambiente mais favorável à transição climática.

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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O Brasil no cenário internacional e o desafio da adaptação

O Plano Clima também funciona como complemento operacional da Contribuição Nacionalmente Determinada apresentada pelo Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, vinculada à Organização das Nações Unidas e ao secretariado da UNFCCC. Nessa meta, o país se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035.

Segundo Aloisio Lopes de Melo, a Estratégia Nacional de Adaptação representa uma inovação no debate global, ao tratar a adaptação não como um conjunto de ações isoladas, mas como um eixo estruturante do desenvolvimento. A proposta brasileira busca mostrar que é possível enfrentar a mudança do clima sem comprometer o crescimento econômico e a inclusão social.

Esse posicionamento ganhou destaque em conferências internacionais, como a COP28, realizada em Dubai, e a COP30, sediada em Belém. O tema da transição para longe dos combustíveis fósseis esteve no centro das discussões, defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que sem alcançar consenso pleno entre os países.

No plano doméstico, no entanto, especialistas avaliam que essa transição ainda aparece de forma tímida. Para organizações da sociedade civil, o documento avança ao incentivar energias renováveis, mas evita assumir compromissos claros de abandono da exploração de combustíveis fósseis, especialmente nos setores de energia e indústria.

Participação social, lacunas e riscos futuros

A construção do Plano Clima contou com ampla participação social, envolvendo consultas públicas, oficinas e debates regionais. Entre as organizações participantes está o Instituto Talanoa, que atua na formulação de políticas climáticas. Para a especialista sênior da instituição, Marta Salomon, o plano é a espinha dorsal da política climática brasileira, mas seu sucesso dependerá da implementação efetiva do que foi pactuado.

Ela aponta como desafio central a ausência de um posicionamento mais explícito sobre o afastamento progressivo dos combustíveis fósseis, especialmente diante de limitações impostas pela própria mudança do clima, como a redução da geração hidrelétrica em períodos de seca.

Crítica semelhante vem do Observatório do Clima, rede de organizações ambientais que acompanha a política climática nacional. Para o assessor de políticas públicas Fábio Ishisaki, os planos setoriais deveriam trazer maior clareza sobre a não expansão de novas frentes fósseis, já que o uso do gás natural como fonte de transição também é visto como incompatível com uma descarbonização profunda.

Outro ponto sensível é a institucionalização do Plano Clima. Marta Salomon alerta que, sem uma lei específica que o consolide, o documento pode ficar vulnerável a mudanças de governo após as eleições de 2026. Já Ishisaki avalia que esse risco é mitigado pelo fato de as políticas estarem ancoradas em legislações específicas e pelo reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Acordo de Paris como norma supralegal no ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, há a questão dos recursos. Embora o plano indique possíveis fontes de financiamento, não apresenta um custo total estimado para sua implementação. Para o Observatório do Clima, essa indefinição pode se tornar um gargalo, já que sem clareza financeira o risco é transformar um plano ambicioso em um conjunto de boas intenções difíceis de executar.