Zona úmida de Lhalu se torna símbolo global de conservação


Uma zona úmida no coração da cidade e do Himalaia

Ao amanhecer em Lhasa, capital da Região Autônoma de Xizang, o Palácio de Potala reflete a luz dourada do sol enquanto, a poucos metros dali, a vida pulsa em silêncio na Reserva Natural Nacional da Zona Úmida de Lhalu. O contraste entre patrimônio histórico, expansão urbana e natureza preservada ajuda a explicar por que este espaço acaba de alcançar reconhecimento internacional: Lhalu foi oficialmente certificada como a maior zona úmida natural urbana do mundo.

Xinhua/Zhang Rufeng

A certificação, concedida pela Agência de Certificação de Recordes Mundiais, não se limita a um título simbólico. Ela reconhece um modelo de convivência rara entre cidade e ecossistema sensível, especialmente em uma região de grande altitude. Localizada a cerca de 3.649 metros acima do nível do mar, Lhalu ocupa 12,2 quilômetros quadrados no centro urbano de Lhasa, funcionando como um regulador climático, um reservatório de biodiversidade e um espaço de bem-estar para a população local.

A celebração do reconhecimento reuniu autoridades ambientais, estudantes, guardiões da reserva e moradores da cidade. Música, apresentações de Ópera Tibetana e rituais culturais marcaram o evento, reforçando a dimensão simbólica da zona úmida como parte viva da identidade local.

Pulmões de Lhasa e refúgio da biodiversidade

Conhecida como os “Pulmões de Lhasa”, a zona úmida de Lhalu exerce um papel ambiental estratégico em uma cidade que cresce em meio a um planalto de condições climáticas extremas. A área funciona como filtro natural do ar, regulador térmico e zona de retenção de água, reduzindo impactos de enchentes e contribuindo para a estabilidade ecológica urbana.

Mas sua importância vai além das funções ambientais clássicas. Lhalu é um refúgio vital para a fauna de altitude. Atualmente, a reserva abriga 435 espécies de plantas, 167 espécies de aves e 80 espécies de insetos, números que impressionam mesmo em comparação com zonas úmidas localizadas em regiões de clima mais ameno. Entre os visitantes mais emblemáticos estão aves migratórias como o grou-de-pescoço-preto e os gansos-de-cabeça-listrada, que encontram ali alimento e abrigo durante o inverno rigoroso do planalto tibetano.

Essas conquistas não surgiram por acaso. Segundo o departamento florestal e de pastagens de Lhasa, políticas de planejamento científico, manejo contínuo e fiscalização rigorosa permitiram que a cobertura vegetal da zona úmida ultrapassasse 95%. Esse nível de preservação é considerado excepcional em um ambiente urbano e reforça o valor de Lhalu como laboratório vivo de conservação.

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Xinhua/Zhang Rufeng

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Investimento público e reconhecimento internacional

O sucesso da zona úmida de Lhalu está diretamente ligado a um investimento público consistente. Nos últimos anos, mais de 900 milhões de yuans foram aplicados em ações de restauração ecológica, monitoramento ambiental, infraestrutura de proteção e educação ambiental. De acordo com Kelsang Norbu, chefe do departamento florestal e de pastagens de Lhasa, esse esforço transformou a área em um espaço seguro para a fauna e acessível para a população.

O reconhecimento internacional veio em etapas. Em julho, Lhasa foi oficialmente declarada uma Cidade Internacional de Zonas Úmidas, título concedido pela Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas. O anúncio ocorreu durante a 15ª Reunião da Conferência das Partes Contratantes, realizada em Vitória Falls, no Zimbábue. Com isso, Lhasa passou a integrar um seleto grupo de cidades comprometidas com a proteção e o uso sustentável desses ecossistemas.

A China, com a inclusão de Lhasa e outros oito municípios, soma agora 22 cidades reconhecidas pela Convenção de Ramsar — mais do que qualquer outro país. Esse protagonismo reforça a estratégia chinesa de integrar conservação ambiental, planejamento urbano e reconhecimento internacional, especialmente em regiões consideradas ambientalmente frágeis, como áreas de grande altitude.

Qualidade de vida, pertencimento e inspiração global

Para além de indicadores técnicos e títulos internacionais, a transformação de Lhalu é percebida no cotidiano dos moradores. Phurdron, residente em Lhasa, relata que corre quase todos os dias ao redor da zona úmida e acompanha de perto as mudanças. Segundo ela, o ambiente está mais limpo, as plantas aquáticas mais densas e a presença de aves cada vez mais visível. O espaço deixou de ser apenas uma área protegida e passou a integrar a rotina de lazer e saúde da população.

Essa dimensão social é um dos aspectos mais relevantes do modelo de Lhalu. Ao invés de isolar a zona úmida da cidade, as políticas públicas buscaram integrá-la de forma controlada, permitindo o uso responsável e estimulando o sentimento de pertencimento. Guardiões ambientais, estudantes e moradores compartilham a responsabilidade pela preservação, criando uma relação cotidiana com o ecossistema.

Em um cenário global marcado pela perda acelerada de zonas úmidas — responsáveis por serviços ecossistêmicos essenciais, como purificação da água e armazenamento de carbono —, Lhalu se apresenta como referência concreta. Seu sucesso demonstra que é possível preservar ecossistemas sensíveis mesmo em áreas urbanas densas, desde que haja planejamento de longo prazo, investimento público e participação social.

Assim, a maior zona úmida urbana do mundo não é apenas um recorde geográfico. Ela se consolida como um símbolo de que cidades podem crescer sem sufocar seus ecossistemas e de que a conservação ambiental, quando bem conduzida, melhora tanto a biodiversidade quanto a vida das pessoas.