A Invasão do Pirarucu nos Rios de São Paulo

Autor: Redação Revista Amazônia

 

A história de pescadores que capturam pirarucus, o maior peixe da Amazônia, nos rios do interior de São Paulo, não é mais um conto exagerado. A espécie, nativa da Bacia Amazônica, tem sido frequentemente encontrada no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, na fronteira entre São Paulo e Minas Gerais.

O pirarucu, conhecido como “bacalhau do Norte”, é um dos maiores peixes de água doce do mundo, podendo ultrapassar 3 metros de comprimento e pesar até 220 quilos. No interior de São Paulo, já foram capturados exemplares de até 150 quilos.

Maria José Melo da Conceição, acostumada a pescar peixes de até 30 quilos, ficou surpresa quando capturou pela primeira vez o maior peixe de água doce com escamas da Amazônia no rio Grande. “No início, pensei que fosse uma sucuri, devido ao tamanho e à força. Só descobri que havia pirarucus no rio Grande quando peguei um filhote pesando 33 quilos.”

Izael Gonçalves de Moraes, que pescou um exemplar da espécie com 2,2 metros de comprimento e pesando 113 quilos, também ficou impressionado com o tamanho do peixe. “Foi a primeira vez que pesquei um peixe desse tamanho. Fiquei emocionado, pois levei quase uma hora para conseguir tirá-lo da água.”

Segundo Rogerio Machado, ecólogo e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA), a espécie pirarucu teve acesso ao rio Grande devido ao rompimento de tanques de piscicultura de criadouros particulares localizados às margens do rio. “Foi quando a espécie encontrou um ambiente favorável para se reproduzir, pois não tem predadores naturais”, explicou Machado.

Lilian Casatti, pesquisadora do Laboratório de Ictiologia da Unesp de São José do Rio Preto, é uma das cientistas brasileiras que estuda os impactos do pirarucu nos rios do interior de São Paulo. Ela aponta que a espécie encontrou no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha e a Usina Hidrelétrica de Marimbondo, um ecossistema muito semelhante ao seu habitat natural na Amazônia, principalmente devido às águas sem correnteza.

“Os rios dessa região estão muito modificados e para pior. Assim, enquanto as espécies nativas demonstram ser mais sensíveis a essas alterações e por isso estão em declínio; as espécies não nativas, como o pirarucu, são mais resistentes, não demonstram muitas exigências e conseguem aproveitar os poucos recursos que ainda existem”, disse Casatti.

Os primeiros pirarucus foram avistados no trecho do rio Grande, entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e a Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, em 2010. No entanto, foi apenas em 2015 que os pesquisadores conseguiram fazer o primeiro registro científico da introdução da espécie no local.

“Mesmo sendo um peixe da Bacia Amazônica, o pirarucu se adaptou bem à Bacia Paraná, consequentemente a cada ano que passa estão sendo mais comuns de serem pescados. Inclusive, temos relatos de pescadores que já estão encontrando exemplares pesando até 150 quilos”, disse Emerson Mioransi, capitão da Polícia Ambiental da região de São José do Rio Preto.

A introdução de uma espécie não nativa que se alimenta de outros animais aquáticos é a grande preocupação dos pesquisadores que estudam os impactos da reprodução do pirarucu no rio Grande.

“Estamos falando de uma espécie predadora de topo de cadeia alimentar, e um animal de grande porte, que consome outras espécies de peixes de menor porte”, apontou Igor Paiva Ramos, pesquisador da Unesp de Ilha Solteira.

Para Lidiane Franceschini, pesquisadora da Unesp, a reprodução rápida da espécie pode desestruturar as comunidades aquáticas. “O pirarucu no rio Grande pode causar a diminuição de espécies nativas importantes da pesca regional.”

Estudos apontam que, até o momento, o pirarucu apenas habita o trecho entre a Usina Hidrelétrica de Marimbondo e da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha – duas barragens construídas na década de 1970 para a produção de eletricidade – que corresponde a uma distância de aproximadamente 120 quilômetros em que o rio Grande divide os territórios de São Paulo e Minas Gerais.

Contudo, o receio é que nos próximos anos a espécie ganhe os afluentes do rio Grande e comprometa as relações ecológicas de outros rios do interior de São Paulo.

“A introdução do pirarucu, além de poder causar a extinção local de espécies de peixes e invertebrados que são utilizados como alimento por meio da predação, também pode ajudar na introdução de parasitas que podem parasitar as próprias espécies de peixes nativas”, apontou Lidiane.

Ao mesmo tempo que o pirarucu representa um perigo para o ecossistema aquático do rio Grande, também impulsiona o turismo de pesca de cidades do interior de São Paulo.

Desde que pescou o primeiro pirarucu, em 2018, o guia de pesca Odair Camargo viu crescer a procura de pescadores interessados em pescar no trecho do rio Grande entre Cardoso (SP) e Mira Estrela (SP). “Muita gente vê os vídeos na internet e vem tentar pescar. Além disso, quando você consegue pegar um pirarucu, consegue garantir o sustento da família. Recentemente, peguei um de 107 quilos que me rendeu R$ 2,5 mil. Mas é difícil tirar ele da água.”

Dificuldade que não impediu o pescador Lucio Omar Pereira, 49 anos, de pescar três exemplares nos últimos meses. “O primeiro que pesquei pesou 110 quilos. Estava em um barranco, ele puxava o anzol tão forte que digo que foi Deus me ajudou a tirar ele do rio.”

O termo pirarucu advém da sua coloração, sendo “pira” de peixe e “urucu” em referência a sua coloração vermelha. O gigante da Amazônia também é conhecido por suas grossas escamas que são capazes de impedir a penetração de mordidas de piranha.

Segundo Levi Francisco dos Santos, diretor do departamento do meio ambiente de Cardoso (SP), o município projeta nos próximos meses realizar um campeonato para incentivar a pesca da espécie. “É uma forma de conseguirmos diminuir a incidência de pirarucu no rio e incentivar o turismo local.”

Em Mira Estrela, município do interior de São Paulo que também é banhado pelo rio Grande, o diretor do departamento de meio ambiente, Antônio Cesar Zanzarin, diz que pescadores já relatam o desaparecimento de algumas espécies de peixes a partir da reprodução massiva do pirarucu. “É um peixe carnívoro que está causando a diminuição do número de peixes nativos e consequentemente o ganho de pescadores.”

Estímulo à pesca, manejo da espécie e novas pesquisas científicas são apontados por especialistas como possíveis soluções para remediar os problemas que o pirarucu pode gerar no rio Grande nos próximos anos.

Para o ecólogo Rogerio Machado, dificilmente será possível acabar com a espécie na região. “O que pode ser feito é o manejo da espécie e estimular a pesca esportiva para tentar diminuir o número de peixes. É uma forma de ter controle do pirarucu no rio Grande e evitar mais impactos ambientais.”


Edição atual da Revista Amazônia

Assine nossa newsletter diária