A proposta da União Europeia (UE) de adiar por um ano a entrada em vigor de sua controversa lei antidesmatamento, que inicialmente estava prevista para ser aplicada a partir de dezembro de 2024, vem gerando intensos debates. Este adiamento é uma resposta às pressões de países exportadores de commodities agrícolas, como o Brasil, e de grandes empresas do setor agropecuário, que afirmam necessitar de mais tempo para se adequar às novas exigências. Ao mesmo tempo, a decisão da Comissão Europeia, órgão executivo do bloco, provocou reações indignadas de organizações ambientais e ativistas climáticos, que consideram o atraso um retrocesso na luta contra a destruição das florestas e as mudanças climáticas.
Por que a União Europeia adiou a aplicação de sua Lei Antidesmatamento?
O que isso significa para o Brasil e outros países exportadores?
E quais são as implicações para o meio ambiente e o comércio internacional?
Neste artigo, vamos explorar detalhadamente os principais aspectos dessa proposta de adiamento, incluindo o contexto político e econômico que levou a essa decisão, os impactos esperados para os principais exportadores, como o Brasil, e as implicações para as cadeias de suprimentos globais. Também vamos analisar as reações de diferentes atores, desde os defensores da prorrogação até os críticos que temem que o adiamento comprometa os esforços para mitigar a crise climática global.
Contexto da Lei Antidesmatamento da UE
A legislação antidesmatamento da UE, aprovada em 2022, foi desenhada com o objetivo de reduzir o impacto do consumo europeu no desmatamento global. Ela impõe novas regras rigorosas sobre a importação de commodities associadas ao desmatamento, como soja, carne bovina, óleo de palma, cacau, café e madeira. A lei estipula que esses produtos só podem entrar no mercado europeu se suas cadeias de suprimento forem certificadas como livres de desmatamento ilegal a partir de 2020. Isso significa que as empresas devem rastrear toda a cadeia produtiva e fornecer dados de geolocalização que comprovem que as terras de onde esses produtos foram extraídos ou cultivados não sofreram desmatamento após essa data.
O Objetivo Ambiental
Segundo estimativas da WWF, aproximadamente 16% do desmatamento global está diretamente relacionado ao consumo europeu, o que torna a UE um dos maiores motores indiretos da destruição florestal. Em especial, as florestas tropicais na Amazônia e no sudeste asiático são as mais ameaçadas. Ao exigir que os produtos importados estejam livres de desmatamento, a UE espera reduzir drasticamente sua participação nesse processo, ajudando a proteger esses ecossistemas críticos para a biodiversidade e a regulação do clima global .
O Pedido de Adiamento
Diante da proximidade do prazo original para a entrada em vigor da lei, marcado para 30 de dezembro de 2024, várias nações exportadoras de commodities agrícolas, como o Brasil e a Indonésia, manifestaram preocupações. Alegaram que as exigências impostas pela legislação da UE são extremamente complexas e onerosas, especialmente para pequenos produtores, e poderiam comprometer o acesso desses países ao lucrativo mercado europeu. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores exportadores de soja, carne bovina e café para a UE, produtos que estão diretamente na mira da nova lei.
Em setembro de 2024, o governo brasileiro, representado pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, enviou uma carta à Comissão Europeia pedindo que a aplicação da lei fosse adiada. Segundo a carta, a legislação colocaria em risco as exportações brasileiras ao criar barreiras comerciais desnecessárias e punitivas, mesmo para produtores que seguem a legislação ambiental do país, como o Código Florestal, que permite o desmatamento controlado em certas áreas.
Em resposta a essas pressões, a Comissão Europeia anunciou, em 2 de outubro de 2024, sua intenção de postergar por um ano a aplicação da lei antidesmatamento, dando às empresas mais tempo para se adaptarem às novas regras. Caso o adiamento seja aprovado pelo Parlamento Europeu e pelos Estados-membros da UE, a legislação começará a ser aplicada apenas em 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas, enquanto pequenas e microempresas terão até junho de 2026 para se adequar.
Críticas ao Adiamento
Enquanto exportadores e indústrias aplaudem o adiamento, organizações ambientais estão profundamente decepcionadas com a decisão. A ONG Mighty Earth classificou o adiamento como um “ato de vandalismo contra a natureza”, comparando-o a ignorar um incêndio em curso. Julian Oram, diretor de políticas da organização, disse que “adiar a aplicação da lei é como jogar um extintor de incêndio pela janela de um prédio em chamas”. O Greenpeace também criticou duramente a medida, afirmando que o adiamento enfraquece a liderança ambiental da UE e contradiz os desejos dos cidadãos europeus, que preferem não consumir produtos associados ao desmatamento
Além disso, muitos temem que o adiamento possa comprometer o Acordo de Paris, do qual a UE é uma das principais signatárias, e afetar a credibilidade do bloco na COP30, a ser realizada no Brasil em 2025. A UE havia se posicionado como uma líder global na luta contra as mudanças climáticas, e esse retrocesso é visto por críticos como um sinal de que interesses econômicos estão sendo priorizados sobre a sustentabilidade ambiental.
Impactos para o Brasil e Outros Exportadores
O Setor Agropecuário Brasileiro
O Brasil é um dos principais exportadores de produtos agrícolas para a União Europeia, e setores como o de carne bovina, soja e café são particularmente vulneráveis às novas exigências da legislação antidesmatamento. A UE é um mercado crucial para os produtores brasileiros, e há um receio de que a nova lei funcione como uma barreira comercial disfarçada, dificultando a entrada desses produtos no bloco.
A legislação brasileira, como o Código Florestal, permite certo grau de desmatamento legal, especialmente na Amazônia Legal, onde proprietários de terras podem desmatar até 20% de suas propriedades para atividades produtivas. No entanto, a lei europeia é mais rígida e não faz distinções entre desmatamento legal e ilegal, o que coloca os produtores brasileiros em desvantagem, mesmo quando estão dentro da legalidade no âmbito nacional
Complexidade das Cadeias de Suprimento
Outro desafio significativo é a exigência de rastreabilidade completa das cadeias de suprimento. As empresas que exportam para a UE terão que mapear digitalmente suas cadeias até o local de produção, mesmo em pequenas fazendas situadas em áreas remotas. Para muitas empresas, especialmente aquelas com cadeias de suprimento complexas e globais, essa exigência é considerada extremamente onerosa e burocrática
Além disso, existe a preocupação de que pequenos produtores, tanto no Brasil quanto em outros países em desenvolvimento, sejam excluídos do mercado europeu. Esses produtores muitas vezes não possuem os recursos financeiros e tecnológicos necessários para implementar sistemas de rastreamento sofisticados e cumprir com as exigências da UE. Isso pode levar a uma maior concentração de mercado nas mãos de grandes empresas que têm mais capacidade de se adaptar .
A Reação Global
Além do Brasil, outros grandes exportadores de commodities agrícolas, como a Indonésia e a Malásia, que fornecem principalmente óleo de palma para a Europa, também expressaram preocupações. As autoridades indonésias, por exemplo, afirmaram que pode ser difícil cumprir as exigências da UE, já que o governo do país precisa aprovar o compartilhamento de informações detalhadas de geolocalização, uma exigência sensível para produtores de óleo de palma
Na Malásia, o governo também criticou a legislação, afirmando que ela pode prejudicar os pequenos produtores de óleo de palma, que são uma parte significativa da economia rural do país. Assim como no Brasil, há um temor de que a nova lei da UE acabe exacerbando a desigualdade entre grandes e pequenos produtores
A proposta de adiamento da lei antidesmatamento da União Europeia representa um ponto de inflexão nas discussões globais sobre comércio internacional e sustentabilidade ambiental. De um lado, temos países exportadores, como o Brasil e a Indonésia, que argumentam que a legislação pode ser prejudicial para suas economias e injusta para seus produtores. Do outro lado, organizações ambientais e ativistas climáticos veem o adiamento como uma concessão inaceitável que coloca em risco os esforços globais de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas.