A Amazônia Azul, essa imensidão líquida que contorna o país como uma moldura
esquecida, é celebrada com frequência por seu potencial econômico, energético, ecológico. Mas o que se cala, ou mal se murmura, é que ela ainda não é verdadeiramente conhecida, tampouco compreendida.

Amazônia Azul: grandiosa e pouco conhecida
Falta-lhe voz no debate público, centralidade nas políticas de Estado, presença viva na consciência nacional. Somos paradoxalmente herdeiros de um oceano que mal conseguimos nomear.
É sintomático, por exemplo, que ainda não tenhamos uma metodologia oficial para
calcular, de forma contínua e confiável, o Produto Interno Bruto do Mar. Como pode
um território que movimenta algo em torno de 20% do PIB brasileiro viver à margem
das estatísticas oficiais? Sem esse dado estruturante, qualquer tentativa de gestão é
adivinhação. A criação do Grupo Técnico & quot;PIB do Mar", em 2020, foi um gesto
necessário, mas chega tarde e caminha devagar, como tantas iniciativas que flertam
com a urgência sem jamais se comprometer com ela.

Invisibilidade
No setor de pesca e aquicultura, o silêncio é ainda mais perturbador. O último boletim
consolidado traz dados de 2011, publicado em 2013. Uma década de invisibilidade
institucional. E invisibilidade, nesse caso, é sinônimo de vulnerabilidade. Sem dados,
não se regula. Sem regulação, prolifera-se a pesca ilegal, predatória, invisível também
aos olhos do Estado.
Pescadores artesanais que vivem do mar e com ele constroem saberes, práticas e culturas, são deixados à deriva, entregues à instabilidade de um sistema que não os reconhece nem os protege. No campo das energias renováveis offshore, o cenário não é mais animador. O Brasil, que poderia ser protagonista na produção de energia limpa a partir dos ventos e das
marés, esbarra na ausência de um marco regulatório que permita sequer começar.
Projetos
Projetos emperram, investidores recuam, e o futuro se transforma em hipótese. Soma-
se a isso a ausência de um Planejamento Espacial Marinho (PEM) consolidado, um
instrumento que permitiria organizar os múltiplos usos do oceano e evitar conflitos,
sobreposições, destruições desnecessárias. Talvez o maior desafio esteja, no entanto, na arquitetura institucional que cerca (ou melhor, negligencia) a gestão do mar.
As competências se sobrepõem, os ministérios não dialogam, os dados se dispersam. Os recursos vivos são geridos à parte dos não vivos. E o Ministério do Meio Ambiente, que deveria liderar uma política integrada, ocupa posição periférica nesse tabuleiro. Falta visão sistêmica. Falta escuta entre os setores. Falta, sobretudo, vontade de articular o mar como espaço de soberania e de cuidado coletivo.

Tragédia e fragilidade
Em 2019, o maior derramamento de óleo da história do país escancarou essa fragilidade. O óleo chegou às praias, aos mangues, às redes dos pescadores. Mas o que mais doeu foi a resposta tardia, a ausência de coordenação, o desamparo das comunidades costeiras. O desastre revelou o que os relatórios não mostram: a precariedade da estrutura de proteção, a desconexão entre Brasília e os portos, entre os gabinetes e os jangadeiros. Quando o mar sangrou, o Estado não estava lá.
Oceano de promessas submersas
A Amazônia Azul é, hoje, um oceano de promessas submersas. Mas não basta desejar o mar, é preciso escutá-lo. E escutá-lo exige mais que mapas geopolíticos ou projeções econômicas: exige presença, sensibilidade, política.
O Brasil ainda navega sem mapa e administra sem bússola sua fronteira líquida. Mas o tempo da indiferença precisa acabar. Cada ausência de dado, cada atraso regulatório, cada comunidade invisibilizada cobra seu preço. E a conta, como sempre, chega para os mais frágeis. Só quando o mar deixar de ser margem e passar a ser centro, é que poderemos dizer que o país, enfim, assumiu seu destino oceânico.











































