Biocrédito o valor da floresta de pé

Autor: Redação Revista Amazônia

 A conservação da natureza e a restauração de ecossistemas tornaram-se temas centrais nas discussões sobre sustentabilidade global. Com a crescente pressão para combater a perda de biodiversidade, surge um novo mecanismo financeiro que promete canalizar recursos para essa causa: os créditos de biodiversidade, ou biocréditos.

Embora seja uma ferramenta inovadora, o modelo ainda enfrenta desafios e críticas, especialmente pela sua semelhança com o mercado de créditos de carbono, que tem sofrido abalos de credibilidade nos últimos anos. No entanto, governos e empresas já estão se movimentando para transformar esse novo ativo ambiental em uma realidade.

O Que São os Créditos de Biodiversidade?

Diferente dos créditos de carbono, que correspondem à compensação de emissões de gases de efeito estufa, os biocréditos são unidades financeiras associadas à conservação e recuperação da biodiversidade em determinada área. Eles podem representar, por exemplo, o aumento da população de uma espécie animal, a restauração de um bioma degradado ou a melhoria da qualidade do solo e da água.

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O objetivo é atrair investimentos privados para ajudar a preencher o déficit anual de US$ 700 bilhões necessários para proteger a biodiversidade global, segundo estimativas das Nações Unidas. Desse montante, pelo menos US$ 200 bilhões precisam vir do setor privado.

O Fórum Econômico Mundial estima que a demanda pelos biocréditos pode chegar a US$ 7 bilhões até 2030, impulsionada por regulamentações ambientais mais rígidas e pelo crescente interesse de investidores em ativos sustentáveis.

O Brasil no Centro da Nova Economia Verde

O Brasil, país mais biodiverso do planeta, está no centro dessa nova economia. Com 60% da Floresta Amazônica em seu território e uma grande diversidade de biomas – como o Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica – o país tem potencial para se tornar um dos principais emissores de biocréditos do mundo.

O estado do Paraná foi o primeiro governo subnacional do mundo a anunciar, durante a COP16, uma política estadual para a emissão de biocréditos. A proposta visa compensar os impactos ambientais causados por empresas e indústrias por meio de serviços ambientais prestados por projetos de preservação, conservação e restauração.

Já na região Norte, a Associação Sociocultural Yawanawá, em parceria com organizações ambientais internacionais, desenvolveu um modelo próprio para a gestão de biocréditos. O projeto, que busca valorizar os conhecimentos tradicionais indígenas na preservação da biodiversidade, pode servir de referência para iniciativas futuras.

“O problema não é o mercado de biocréditos existir, mas sim a ordem e as condições em que ele será implementado”, alerta Carlos Augusto Ramos, pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Quem fará a gestão desses créditos? Como garantir os direitos das populações indígenas e tradicionais?”, questiona.

Oportunidade ou Greenwashing?

Embora os biocréditos sejam vistos como uma ferramenta promissora para alavancar a conservação ambiental, o mecanismo ainda levanta preocupações. Especialistas alertam para o risco de que esses créditos sejam utilizados como uma nova forma de greenwashing, permitindo que empresas continuem causando danos ambientais enquanto compram ativos ambientais para compensar sua imagem.

Mark Opel, líder de finanças da ONG Campaign for Nature, é cético quanto à eficácia desse mercado. “Se os biocréditos não forem usados para compensação, por que as empresas comprariam? Isso abre margem para distrações e pode desviar o foco da necessidade de políticas ambientais mais rígidas”, afirma.

Em contrapartida, defensores do modelo destacam que os biocréditos são mais próximos de um investimento em infraestrutura ecológica do que de um mercado de compensação ambiental, como acontece com o carbono.

“Os projetos de biodiversidade exigem tempo, gestão contínua e compromisso de longo prazo. Não se trata apenas de um certificado, mas de um processo ativo de recuperação e preservação”, explica Amelia Fawcett, copresidente do Painel Consultivo Internacional sobre Créditos de Biodiversidade (IAPB).

Como Funciona o Mercado de Biocréditos?

O modelo de biocréditos ainda está em construção, mas já existem algumas diretrizes sendo seguidas globalmente:

  1. Projetos de conservação ou restauração geram créditos conforme métricas estabelecidas (por exemplo, crescimento populacional de uma espécie ameaçada ou recuperação de um determinado número de hectares de floresta).
  2. Esses créditos são vendidos a empresas, governos ou investidores interessados em apoiar a preservação ambiental.
  3. Os projetos são monitorados ao longo do tempo para garantir que os benefícios ecológicos realmente se concretizem.

No Pantanal, por exemplo, um dos primeiros projetos do Brasil utiliza onças-pintadas como indicadores da saúde do ecossistema. O Instituto Homem Pantaneiro monitora a presença dos felinos na região através de câmeras e análise de dados, e os créditos gerados são baseados no crescimento dessa população.

Já na Colômbia e nos Estados Unidos, os biocréditos vêm sendo utilizados para compensação ambiental em grandes obras de infraestrutura, como estradas e hidrelétricas. Nesses casos, cada crédito equivale a uma determinada área protegida por um período definido, podendo variar entre 20 e 99 anos.

O Futuro dos Biocréditos

Com a crescente demanda global por soluções sustentáveis e a necessidade de preservar ecossistemas ameaçados, o mercado de biocréditos deve ganhar força nos próximos anos. No entanto, ainda há desafios a serem superados, como:

  • Criação de regulamentações claras para evitar abusos e garantir a integridade dos projetos.
  • Monitoramento rigoroso para comprovar que os investimentos realmente resultam em ganhos ambientais.
  • Inclusão de comunidades locais e povos indígenas na governança e gestão dos biocréditos.

Apesar das incertezas, especialistas concordam que o financiamento da biodiversidade é urgente. Marco Lambertini, CEO do Nature Positive, reforça que as empresas devem seguir uma ordem de prioridade:

“Evitar causar danos, reduzir os impactos sempre que possível, restaurar o que for viável e, apenas no que for inevitável, compensar”.

O Brasil tem uma oportunidade única de liderar esse mercado de forma ética e eficiente, garantindo que a floresta em pé tenha valor econômico e se torne um ativo essencial na construção de uma economia verde.

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Os biocréditos ainda são uma novidade e geram debates acalorados, mas uma coisa é certa: a natureza precisa de financiamento, e novas soluções precisam ser testadas. O mercado de biocréditos pode ser parte dessa equação, desde que seja bem estruturado e alinhado a compromissos reais de conservação.

O desafio agora é transformar essa ferramenta em um mecanismo confiável, que realmente beneficie a biodiversidade, gere desenvolvimento sustentável e envolva aqueles que há séculos protegem as florestas: as comunidades locais e os povos indígenas.

Se os biocréditos forem implementados com transparência e responsabilidade, podem representar uma virada de chave na valorização da floresta viva – e um passo importante para um futuro onde preservar a natureza seja um bom negócio para todos.


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