A COP16 da Biodiversidade, realizada em Cali, na Colômbia, é considerada a maior e mais significativa edição da história do evento, reunindo entre 15 mil e 20 mil participantes de todo o mundo ao longo de duas semanas. Iniciada em 21 de outubro de 2024, a conferência busca discutir o futuro da preservação da biodiversidade global, mas o que vem chamando a atenção é o forte interesse do setor privado, com empresas e bancos marcando presença massiva.
Uma virada de chave para o setor privado
A COP da Biodiversidade, embora ainda menor em número de participantes quando comparada à COP do Clima – cujas últimas edições atraíram cerca de 70 mil pessoas – está se consolidando como um marco para o setor empresarial. A mudança no comportamento do setor privado em relação ao tema da biodiversidade foi visível pela forte delegação brasileira presente na conferência.
De acordo com Vanessa Pereira, coordenadora de biodiversidade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o crescimento da participação das empresas na COP da Biodiversidade é notório. “Na COP15, fomos com 11 empresas e muito menos setores. Varejo, água, químicos e telefonia, por exemplo, não tinham participado”, disse. Nesta edição, a delegação brasileira conta com 42 empresas de 17 setores, representadas por 73 executivos e especialistas.
Entre as empresas presentes, destacam-se gigantes como Re.green, Ambipar, Eletrobras, Engie, Rumo, Suzano, Natura e Grupo Boticário. O setor financeiro também está fortemente representado, com a participação de bancos como Santander, Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. O envolvimento do setor privado na COP16 reflete uma mudança significativa na percepção de risco e oportunidade em torno da natureza e biodiversidade.
Por que o interesse das empresas está crescendo?
O interesse crescente das empresas na preservação da biodiversidade está diretamente relacionado ao impacto que as questões ambientais estão começando a ter nos negócios. O setor privado começa a entender que a preservação da natureza vai além de uma questão moral ou de marketing; é uma questão de sobrevivência econômica.
De acordo com Leonardo Fleck, head de inovação sustentável do Santander Brasil, o interesse crescente do setor privado na COP da Biodiversidade pode ser explicado pela percepção de que a natureza não pode mais ser tratada como uma externalidade. “Temos ouvido que muita gente do setor privado está deixando de ir para a COP29 do Clima para vir para a COP da Biodiversidade este ano”, afirma Fleck, destacando que a COP29, que será realizada no Azerbaijão em novembro, é considerada uma conferência “intermediária”, sem grandes expectativas na agenda.
Outro fator importante foi a aprovação do Marco Global da Biodiversidade em 2022, conhecido como o “Acordo de Paris da Natureza”. Esse marco trouxe uma série de 23 metas ambiciosas para a preservação da biodiversidade, com implicações diretas para as empresas e instituições financeiras. Pela primeira vez, o setor privado foi incluído de forma explícita em um tratado internacional com responsabilidade compartilhada na preservação da natureza.
A meta 15 do Marco Global, por exemplo, exige que os governos incentivem e facilitem o monitoramento e a divulgação dos impactos e dependências que empresas e instituições financeiras têm em relação à biodiversidade. “Essa meta ajuda a trazer um recorte para esse olhar [para alavancar uma transição econômica mais justa], principalmente porque é a primeira vez que temos num tratado internacional uma meta diretamente ligada apenas ao setor privado e aos governos”, explica Vanessa Pereira.
O papel das instituições financeiras
O setor financeiro também está tendo que lidar com novos desafios à medida que a biodiversidade entra no radar de risco das instituições. Para os bancos, entender como seus investimentos afetam ou dependem da natureza é uma tarefa complexa, principalmente porque a biodiversidade é muito mais difícil de quantificar em comparação com as emissões de carbono, por exemplo.
“Na natureza, não existe uma métrica comparável à tonelada de carbono no mercado de créditos de carbono, o que torna a criação de instrumentos financeiros muito mais difícil”, explica Maria Silvia Chicarino, head de riscos socioambientais do Santander Brasil. Ela exemplifica: “Se eu tenho uma fazenda no Mato Grosso, que começa com o perfil do Cerrado e termina no perfil de Amazônia, como eu padronizo isso?”
Os bancos estão buscando formas de medir o impacto da biodiversidade dentro de suas carteiras de clientes, mas essa tarefa depende fortemente dos dados fornecidos pelas empresas financiadas. “Estamos aqui para explorar como outras instituições financeiras estão incorporando essa agenda de natureza, de que forma e em que velocidade”, diz Leonardo Fleck, do Santander.
Além dos bancos brasileiros, a COP16 também atraiu a participação de instituições financeiras internacionais como JPMorgan Chase, Standard Chartered, Citi, Bank of America, HSBC e Deutsche Bank, muitas das quais estão fazendo sua estreia em uma conferência sobre biodiversidade.
Desafios e oportunidades para as empresas
Um dos grandes desafios que as empresas enfrentam é entender como a biodiversidade impacta seus negócios. Para setores como bebidas, papel e celulose, ou agronegócio, a relação entre o uso sustentável dos recursos naturais e o sucesso dos negócios é mais clara. No entanto, para setores como o financeiro e de telecomunicações, a conexão não é tão óbvia.
Rodrigo Lima, diretor da consultoria Agroicone, ressalta que “a grande questão é definir o que o impacto sobre a biodiversidade, seja negativo ou positivo, significa para cada negócio.” A Natura, por exemplo, foi uma das primeiras empresas a se comprometer com reportes específicos sobre biodiversidade segundo os padrões da Task force on Nature-related Financial Disclosures (TNFD).
A TNFD tem se destacado como uma das principais iniciativas globais que visam incorporar a biodiversidade nos balanços financeiros das empresas. O objetivo é fornecer às corporações uma estrutura para identificar, monitorar e reportar os riscos e dependências relacionados à natureza.
COP 30: Finep investe R$ 20 milhões na criação do Museu das Amazônias em Belém
Para Priscila Matta, gerente sênior de sustentabilidade da Natura para a América Latina, a expectativa é de que esta COP ajude a amadurecer a visão das empresas sobre a integração da biodiversidade nas estratégias de negócios. “Espero que nesta COP as empresas e o setor financeiro estejam mais presentes com um olhar que integra biodiversidade, natureza, clima e pessoas ao modelo de negócio”, afirma.
A biodiversidade como ativo financeiro
A falta de uma métrica clara para a biodiversidade tem sido um dos principais obstáculos para a criação de mecanismos financeiros voltados para a preservação da natureza. No entanto, várias iniciativas têm surgido para tentar superar esse desafio.
Uma dessas iniciativas é o movimento global pela criação de um mercado de créditos de biodiversidade, semelhante ao mercado de carbono. A ideia é que as empresas possam comprar e vender créditos de biodiversidade, compensando seus impactos negativos na natureza. No entanto, esse mercado ainda está em fase de desenvolvimento, e muitos desafios permanecem.
“